Construir um clube sério, competitivo e vencedor
O Sporting é um clube que tem de ganhar competições; mas é muito mais do que isso - deve ser um exemplo de organização, disciplina e democracia
SÁBADO passado, Frederico Varandas venceu, como toda a gente previa, as eleições para um novo mandato como presidente do SCP. Aliás, o Conselho Diretivo, salvo alguns retoques, bem como os órgãos sociais venceram facilmente os dois adversários que nunca tiveram grandes hipóteses.
Há muitos anos que o Sporting precisa de estabilidade. E poucos foram os seus presidentes que a concederam.
Dos 43 dirigentes máximos do clube desde 1906, lembramos apenas alguns (dois por motivos não gloriosos, como Jorge Gonçalves e Bruno de Carvalho; mais, muitos mais, felizmente, por terem contribuído de diversas formas para o engrandecimento do clube). De Alfredo Holtreman (visconde de Alvalade), o primeiro presidente, passando pelo seu neto José Alvalade (José Holtreman Roquete) cujo estádio ostenta o seu nome, ou os mais recentes Guilherme Brás Medeiros, João Rocha, José Roquete (descendente dos fundadores), Dias da Cunha (estes dois os últimos a ganharem campeonatos, antes de Varandas) e, claro, o atual presidente reeleito ficam para a história do Sporting. Aliás como outros não referidos, como António Ribeiro Ferreira, que durante sete anos dirigiu o clube e teve a alegria de a equipa de futebol contar com os cinco violinos (o tetracampeonato já foi no mandato de Carlos Góis Mota), ou o general Sá Viana Rebelo que, sendo apenas pouco mais de um ano presidente, viu o clube vencer a Taça das Taças.
Frederico Varandas foi reeleito presidente do Sporting com 85,8 por cento dos votos
Noutros tempos, os dirigentes desportivos não tinham a projeção que hoje têm, e, caso fossem homens presentes nas notícias, era devido a carreiras construídas à margem do clube. Recordo os senhores Pinto de Magalhães (um banqueiro famoso) ou Américo de Sá, presidente quando o FC Porto venceu, depois de jejum de 19 anos, o campeonato nacional, tendo como treinador José Maria Pedroto, e Pinto da Costa (que seria eleito em 1972, já na estrutura desportiva).
No Benfica, o aristocrata Borges Coutinho, que em oito anos venceu sete campeonatos (na viragem dos anos 60 para os 70), o banqueiro Jorge Brito ou o empresário Manuel Vilarinho, que correu com Vale e Azevedo, para não falar de Fernando Martins, empresário hoteleiro, quase seis anos presidente dos encarnados.
O que admira é que, se no Sporting o recordista no cargo é João Rocha (13 anos), e saiu pelo seu pé, no Benfica Luís Filipe Vieira já ia quase em 18 anos e viu-se obrigado a sair devido ao MP o envolver num processo judicial. Mas, no FC Porto, Pinto da Costa vai em 40 - sublinho 40 - anos e nada o tira de lá.
Os clubes tiveram, deste modo, tendência a deslocar, dos sócios para as direções, o centro do seu poder - e essa foi a ideia de Bruno de Carvalho, que apenas viu interrompido os seus mais de cinco anos de presidência por ter sido demitido e expulso do clube; facto de que me orgulho em ter participado ativamente.
Mas o ex-presidente deixou minada a instituição. Olhando os estatutos do Sporting vê-se qual a fibra de quem propôs alterações nesse sentido e as fez aprovar numa AG sem representatividade. Foi, justamente o presidente anterior, na sua ânsia de se eternizar ao leme do Sporting.
MUDAR É IMPORTANTE
SE até agora - e já lá vão quase quatro anos -, a direção tinha muitas batalhas a travar e conseguiu sair-se relativamente bem de todas elas, em especial no que diz respeito a retomar a confiança na qualidade da direção e equipa de futebol, com a contratação de Rúben Amorim, doravante Varandas e a sua equipa, após conquistarem mais de 4/5 dos votos, não podem deixar de alterar os estatutos e voltar a princípios básicos para qualquer instituição democrática.
Antes do problema da Academia e das infelicíssimas declarações do presidente anterior, recordemos que os princípios essenciais do totalitarismo estavam expostos na célebre Assembleia Geral em que os sócios foram tratados como meninos e aconselhados a não ler jornais nem televisões. Enfim, uma cena digna da Coreia do Norte.
Pior do que isso, a revisão dos Estatutos então feita refletiu esse desejo e esse modelo. E por isso nós temos todos os órgãos - os que mandam e os que fiscalizam - eleitos na mesma lista, sem que haja sequer lugar à representação de minorias (na Fiscalização e na Disciplina). Isso é péssimo e quero crer - pelos nomes que integram a lista - que é um assunto bem compreendido por quem está hoje à frente do clube.
Como referi, Varandas ficará na história do Sporting por alguns motivos; por um lado, tal como Sousa Cintra, substituiu um presidente que era manifestamente abaixo dos standards do clube; depois, mais do que Sousa Cintra, conseguiu vencer um campeonato de futebol, quando já estávamos há 19 anos em seca. O treinador pelo qual se atravessou deu uma volta na equipa que passou a jogar com determinação e alegria; além disso fez alterações positivas não só nas finanças, como no próprio estádio e apostou bastante na Academia.
Resta deixar um clube onde não mais certas pessoas possam mandar a seu bel-prazer. E, para tal, tem de inevitavelmente convocar os sócios - todos, como nas grandes AGs de 2018 - e fazer um programa que renove de baixo a cima ou de cima abaixo a governança do clube.
Algumas ideias são simples de ter: como a segunda volta nas eleições para a Direção; outras, como a separação de um Conselho Fiscal e de um Conselho Disciplinar, também são muito consensuais. O mais polémico é a eleição de membros em lista de Hondt para as AGs. Mas é fundamental. Assembleias Gerais onde dominam pequenos grupos aguerridos de insulto fácil ou sócios tipo ferrabrás de ameaça física constante não podem existir. As AGs devem ser locais de debate e troca de ideias entre sócios (comissionados, assim se chamam em Espanha) ou delegados, que representam as dezenas de milhares de pessoas do clube. Algumas regras e quotas (sobre a antiguidade dos sócios) podem ser introduzidas. Não para a demagogia velha de um sócio um voto, mas para as listas terem elementos mais novos e outros mais velhos ou experientes. Cada sócio votaria na sua lista com o número de votos que lhe compete (assim como para as eleições para corpos sociais), mas na AG cada sócio teria um voto (uma vez que já era eleito por outros). Essa AG terá um número de sócios a definir, tendo de ser representativa do universo sportinguista. O que permite evitar o total esmagamento que o futebol provoca a outras modalidades.
Não há melhor altura para discutir estes assuntos do que o começo de um mandato de quatro anos que se espera frutuoso e pacífico.
FUTEBOL
HOJE à noite, o Sporting vai ver se consegue não ser de novo goleado pelo Manchester City… Esperemos que não, embora qualquer ilusão sobre a passagem da eliminatória seja completamente descabida.
Na Taça de Portugal, ao perdermos em casa com o FC Porto, num jogo em que poderíamos ter ganho, não anulou a esperança de irmos à final. A segunda mão no Dragão, só lá para o fim do mês que vem, não indica que o Sporting não possa dar a volta ao resultado, dependendo muito da forma com que o FC Porto se apresentar. Em Alvalade, os portistas surgiram no auge de uma fase fantástica para o clube. E mesmo com mais ou menos favor externo, por assim dizer, merecem o lugar que ocupam no campeonato.
De salientar, ainda, o regresso de Slimani às grandes noites. O Sporting precisa dele como Bislam (como lhe chamou na primeira página este jornal) em todos os jogos, não apenas naqueles que podem parecer mais simples, como foi o contra o Arouca.
RÚSSIA
Portugal tem sido unânime na condenação à agressão russa à Ucrânia e isso tem-se visto não só por palavras, gestos e símbolos bonitos nos encontros de futebol, mas também no concreto. Os grandes clubes já recolheram donativos de toda a ordem para enviar para as vítimas da guerra, e penso que estes acontecimentos sombrios e trágicos recordam-nos a pequenez e mesquinhice das divergências que, por vezes, são mais inventadas do que reais.
FC PORTO
Apropósito da boa fase em que se encontram, os Dragões jogam este noite com o Lyon para os oitavos de final da Liga Europa. Desejo que continuem a fazer uma grande carreira na competição e este desejo é sincero, mas claro que não totalmente inocente. O mesmo digo em relação ao SC Braga que joga amanhã contra o Mónaco.