Carne para abate
Por estes dias, a facilidade com que se tritura alguém em praça pública é assustadora
A DÁN, António Silva, Pedro Gonçalves ou Ricardo Esgaio. Estes são os nomes de alguns jogadores que (por acaso) atuam nos chamados três grandes da Liga portuguesa.
Nos últimos dias cada um deles esteve nas bocas do lobo, pelas piores razões. Foram ridicularizados e humilhados em praça pública. Foram alvo de chacota, de insultos e até de ameaças, que nalguns casos estenderam-se às respetivas famílias.
Já sabíamos que no futebol a memória vale zero e a gratidão nem se fala, mas a questão aqui é sempre a mesma: censurar e exigir responsabilização do erro é legítimo, faz sentido. Quem está mais exposto, sabe que esses são danos colaterais inevitáveis. Ninguém está acima da crítica. O que nunca pode acontecer é permitir-se que o ataque ao profissional resvale para a vida pessoal, para a sua integridade e honestidade. Há uma linha que não pode ser ultrapassada, mas que infelizmente é esmagada todos os dias, perante a complacência tácita de quem tem o dever de o impedir.
É certo que Adán, guarda-redes de topo, competentíssimo e sem nada a provar, teve noite francamente infeliz em Marselha. A sua má prestação teve impacto direto na derrota da sua equipa. Isso é tão verdade quanto o peso inegável que o espanhol tem desde que chegou ao Sporting (nomeadamente quando o clube se sagrou campeão nacional).
É também certo que Pedro Gonçalves e Ricardo Esgaio - que já mostraram todo o seu valor em outras paragens e em tantas outras ocasiões - não foram felizes no jogo em casa com os franceses. E é ainda certo que António Silva, que só tem dezoito anos e já mereceu rasgados elogios por ser um talento confirmado, cometeu deslizes técnicos que comprometeram o desempenho do seu clube nos últimos dois jogos.
Mas isso, meus amigos, são situações normais no futebol. Acontecem a todos. Messi, Ronaldo, Neymar, Haaland ou Mbappé, que são os monstros que são, já erraram bastante e vão errar ainda mais. Ainda esta jornada, João Cancelo (outro craque que dispensa apresentações) foi o grande responsável pelo golo que ditou a derrota do seu City contra o Liverpool.
Amanhã, Diogo Costa ou Vlachodimos vão falhar, tal como já falharam Ederson, Donnarumma, Neuer ou Alisson. Acontece! Acontece a quem tem de arriscar, a quem tem de tomar decisões, a quem tem uma função que exige o máximo da mente e do corpo, a cada instante.
Percebe-se a revolta espontânea que surge via redes sociais, pela voz de adeptos desiludidos. A paixão é forte, os tempos são difíceis e a bola é muitas vezes o escape perfeito para uma vida demasiado stressante. Esse é um balão que esvazia mais rápido do que enche. Venham os memes, as piadas e os picanços entre uns e outros.
O que não se percebe é a malícia que gente com responsabilidade aproveita para destilar sempre que surge a oportunidade. Há pessoas que vivem à espera do trambolhão dos outros, não para lhes dar a mão, mas para pôr-lhes o pé em cima. São uma espécie de abutres (mas mascarados de impolutos) que sobrevivem rodeando as carcaças que lhes parecem moribundas.
Li e ouvi coisas muito feias dito por alguns deles (poucos, felizmente). Continuo a ficar chocado por constatar que gente assim, tão rasteira, continua a ter poder na (de)formação de opinião dos outros. Gente assim ainda tem espaço para destratar, humilhar e diminuir profissionais, com sorrisos presunçosos, com tom jocoso, com ar de superioridade. Gastam palavras caras à custa do esforço diário de quem, no fundo, lhes dá o emprego.
Por estes dias, a facilidade com que se tritura alguém em praça pública é assustadora. Não se perde um segundo a pensar que essas pessoas têm amigos, pais, filhos. Não se pensa que são feitos de carne e osso e que há limites. É só bater, bater, bater, de preferência até partir. Até matar.
Depois venha o próximo porque o assador está sempre aceso.
Almas pequeninas, é o que são.