Quando eu era criança, a mesa da ceia de Natal era o lugar mais seguro do mundo. Desde logo porque ali estavam todas as pessoas que realmente contavam na minha vida. Os meus pais, o meu irmão, os meus avós, os meus tios, os meus primos. Tudo fazia sentido. A mesa era farta para o contexto económico da altura, num tempo em que, dou sempre este exemplo, olhava para um corneto como um objeto de sonho que talvez um dia os meus pais me pudessem comprar sem pensar se isso comprometia o pagamento das contas que, por honra, eram religiosamente saldadas. Adorava comer os formigos da minha avó, um doce que não conheço mais ninguém que faça, confecionado com pão de três dias embebido em calda de açúcar, mel e limão, polvilhado generosamente com canela, numa eterna capacidade que os pobres têm de transformar os parcos recursos em manjares de reis… E finalmente, o momento da abertura de prendas, sabendo que, no meio de meias ou pijamas, lá vinha um brinquedo que enchia as medidas. Saudades? Não, porque nenhum desses momentos é passado, as memórias fazem deles um eterno presente. Para João Pereira, a mesa de Natal talvez seja também o lugar mais seguro do mundo. Só no capítulo das prendas as coisas não correram bem. O Pai Natal até avisou que o presente era envenenado. E era. Mas o jovem treinador tinha mesmo de o abrir, não tinha como o não fazer. E passou a ser o exemplo da frase «só o peru é que morre de véspera…». João Pereira foi Sexta-Feira Santa antes de ser Natal, a tal carne para canhão de que falei neste espaço. A missão, está mais do que estudado, de substituir um líder fortíssimo era tremenda. Para qualquer treinador. Talvez mais para ele que ainda tem ainda de ganhar vida. O que se passou com João Pereira não se deseja a ninguém em início de careira. Continuo a achar que é mais vítima das circunstâncias do que culpado. No papel, as intenções podiam fazer sentido; todos tentaram fazer o melhor; nada resultou. E depois, há coisas que não se explicam… A saída de Amorim provoca a quebra de um pacto emocional; começam a aparecer as lesões em jogadores cruciais; a bola deixou de bater na trave e entrar; há jogadores que marcavam até de calcanhar do meio campo, passe o óbvio exagero, e agora escorregam em cima da linha de golo; e até alguns erros de arbitragem começaram a penalizar o Sporting, a avaliar pela conclusão dos peritos de arbitragem. E eis que no sapatinho de Rui Borges aparece um presente inesperado. E vai assumir o Sporting em muito melhores condições do que João Pereira. Às vezes o sucesso depende de quem vai à frente a abrir caminho. Passou de João Pereira a João Batista, cuja cabeça foi exigida em bandeja pela formosa Salomé, a preparar o caminho de quem viria a seguir. Também Bruno Lage recebeu um presidente inesperado. Tinha escrito ao Pai Natal a pedir por prenda chegar ao 25 de dezembro o mais próximo possível do Sporting. E o treinador encarnado deve ter-se portado tão bem que o Pai Natal achou que o pedido era modesto e deixou no sapatinho a liderança no campeonato. Merecida. Ninguém chega à 15.ª jornada à liderança sem ser por mérito. Nem que seja o de apenas fazer a sua parte. O que deve ser valorizado. Até ao dérbi, o Sporting quer ir à loja fazer uma troca. Já trocou de treinador e quer trocar o presente de Natal. A fatiota fica-lhe apertada, tem de ser de um número acima… Já o Benfica de Bruno Lage vai ter de justificar que merece uma prenda melhor do que tinha pedido. E está em boas condições para o fazer. Onde fica Vítor Bruno no meio disto? Na árvore de Natal encontrou um voucher… Vai ter de ir à loja escolher a fatiota que melhor julga servir-lhe. O limite para gastar não é generoso, mas dá para, com imaginação, fazer as escolhas certas e acabar a época com a prenda que todos desejam. E eis que chegamos a 2025. Isto vai ser bonito… Nesta quadra natalícia, lembro que quando eu era criança, a mesa da ceia de Natal era o lugar mais seguro do mundo. Agora que sou adulto, continua a ser. Boas festas a todos.