OPINIÃO DE VASCO MENDONÇA Benfica: Notas de um dérbi atravessado
'Selvagem e Sentimental' é o espaço de opinião semanal de Vasco Mendonça, adepto do Benfica
O desempenho do Benfica em dérbis e clássicos confunde-se frequentemente com a história da Fundação Benfica, tal é a generosidade tantas vezes demonstrada para com os nossos principais rivais, em especial quando vivem o seu pior momento ou quando a proverbial estocada final parece estar a 90 minutos de distância. Foi assim algumas vezes com o FC Porto, com especial destaque para um penta que não chegou a ser e terminou com um título perdido em casa. Este domingo, ainda que em diferente proporção, voltou a registar-se um fenómeno semelhante contra o Sporting, perante mais de 40 mil adeptos do rival que não sabiam quantas Avé-Marias rezar na noite anterior ao dérbi.
Desta vez, a Fundação Benfica ofereceu à equipa adversária e aos respetivos adeptos de um clube com menos 20 títulos nacionais a oportunidade de jogarem praticamente livres de oposição durante os primeiros 45 minutos do jogo. A iniciativa seria comovente, feita à medida de um daqueles vídeos que fazem toda a gente chorar no TikTok, se isto não fosse afinal a ironia amargurada por mais uma oportunidade mal perdida. Não é a primeira vez que acontece, antes pelo contrário. Há muito tempo que o Sporting não ganhava tão frequentemente ao Benfica. Deve ser mera coincidência que isso tenha acontecido durante o mandato da atual direção.
Ver o que mais ninguém viu
Há uns anos deu-se uma grande polémica nas redes sociais, daquelas que dividiram as pessoas e suscitaram longas discussões. A simples fotografia de um vestido tornou-se viral porque o mundo não conseguia decidir. Algumas pessoas viam um vestido azul, enquanto outras viam um vestido dourado. Provavelmente houve quem visse um vestido de outra cor, e houve até quem não visse vestido nenhum. Lembrei-me deste exemplo no domingo à noite, quando ouvi Bruno Lage na sala de imprensa contrariar as opiniões de dois argentinos conceituados, Nico Otamendi e Ángel Di María, por sinal seus jogadores.
Não é bom sinal quando Bruno Lage decide contrariar aquilo que toda a gente viu, incluindo o seu capitão de equipa e o melhor jogador do plantel, ambos capazes de, com a honestidade que o momento pedia, constatar o óbvio: o Benfica ofereceu 45 minutos de um jogo que podia e devia ter ganho. Vir falar no antijogo dos outros, num jogo que, pelos vistos, controlámos praticamente do princípio ao fim, ou, pior ainda, vir falar em «injustiça», como fez a comunicação do clube num rescaldo sportinguizado enviado por email aos sócios no dia seguinte, é aquele delírio argumentativo das vitórias morais que talvez fique bem a outros clubes, mas que me enjoa um bocadinho quando vejo ser usado no Benfica para justificar a incompetência de quem deveria responder por noites como a de domingo, não porque alguma tragédia se tenha abatido sobre nós, mas porque é isso que os líderes fazem.
O banco que não resolve jogos, a liderança inexistente
Bruno Lage começa a parecer curto de ideias quando os jogos não correm de feição. Isso, ou é o Bruno Lage que já conhecíamos. Curto ou incerto, não sei qual das hipóteses me preocupa mais. As competições em que o Benfica joga e o mundo em que o Benfica existe exigem longevidade, regularidade, consistência, ambição, grandeza e uma grande confiança naquilo que temos para apresentar. Exigem preparação sólida e ideias de jogo que, em alguns sentidos, reflitam também o que é o Benfica (daí a exibição em Munique ter sido tão embaraçosa). Também exigem jogadores à medida dessa dimensão e exigência, que não podem vir de qualquer lado nem podem achar que estão só em mais um clube. A todos os que treinarem é-lhes devida uma oportunidade.
É um facto que este plantel não foi idealizado por Bruno Lage, que aceitou alistar-se quando outros treinadores disseram não. O que deixou este plantel sem dono. Apesar de ter as suas forças, é um plantel que vai relevando lacunas graves. Quando assim é, a culpa morre solteira. Em rigor, não sabemos bem a quem pertence este plantel: se a Roger Schmidt, a Rui Costa, a Rui Pedro Braz, ao Fabrizio Romano, ou a todos em alguma medida. Quando alguma coisa corre bem neste Benfica, grande parte dos mencionados aparecem de imediato como responsáveis, nem que seja preciso acenarem até algum jornalista reparar. Quando as coisas correm menos bem, ninguém sabe deles. Ninguém os vê. Da sua boca, nem um pio. Às vezes, se correr muito mal, ouvimos falar de uns murros numa mítica mesa que deve ser de madeira maciça, tal é a violência a que foi sujeita nos últimos anos.
Esta direção e estrutura vão gerindo os tempos da sua comunicação de forma bastante óbvia. É por isso que só voltaremos a saber o que Rui Costa pensa ou pretende fazer acerca de algum tema, seja qual for o tema, quando Sporting ou FC Porto perderem pontos e o Benfica vencer o seu respetivo jogo. Foi uma pena não termos ganho este fim de semana, porque talvez tivéssemos visto nos dias seguintes uma casa do Benfica ser inaugurada ou celebrar o seu aniversário, isso ou, quem sabe, e admito que esteja a ser ambicioso, talvez tivéssemos tido a oportunidade de saber, pela voz do presidente da direção, como se posiciona o Benfica no ciclo eleitoral que se avizinha na Federação Portuguesa de Futebol e na Liga.
Feito o desvio e retomada a trajetória: foi com este plantel que Lage aceitou trabalhar e, deste, disse apenas que lhe dava todas as garantias. Mais uma vez, a comunicação vai revelando a sua importância. Desde que chegou ao Benfica, Bruno Lage ainda não perdeu uma oportunidade de dizer aquilo que ele acha que os Benfiquistas querem ouvir. Esquece-se, no entanto, que algumas palavras voltam para nos assombrar. Há muitas formas educadas de dizermos que não reunimos todas as condições ideais para uma tarefa, e os adeptos são suficientemente adultos para o compreender.
Seria mais fácil interpretar as últimas semanas, de declínio exibicional flagrante, se todos tivessem tratado o tema com franqueza. Não sendo o caso, a realidade encarrega-se de o demonstrar. Quando rodámos a equipa contra o Aves, perdemos pontos de forma absolutamente escusada. Este domingo, quando precisámos que o banco produzisse impacto num jogo importante que parecia enguiçado, recuperámos algum equilíbrio depois do desastre da primeira parte, mas acabámos à procura do Leandro Barreiro na mesma área em que estavam Pavlidis e Arthur Cabral. Talvez os otimistas digam que descobrimos um craque em Leandro Barreiro. Lamento não comungar desse otimismo na semana em que voltámos a ressuscitar um rival.
É esta a mediania a que parecemos vergados neste momento, a que está na origem do planeamento deficitário da presente época e a que, tudo indica, será a base do planeamento da próxima época, a não ser que alguém tenha o bom senso de antecipar as eleições, cenário que deveria ser discutido agora e não mais tarde. O calendário do Benfica e os desafios que o clube e a SAD têm pela frente não são compatíveis com eleições apenas em outubro. Mais sobre isto na próxima semana, que se faz tarde.