Benfica e Sporting: tudo bons rivais

OPINIÃO31.08.202206:30

Há algumas exceções, mas a lei é clara, a liberdade do trabalhador e de trabalhar é, em Portugal, praticamente intocável

AQUANDO da transferência de João Mário para o Inter de Milão, o Sporting exigiu que no contrato ficasse estabelecida uma cláusula antirrival: caso o jogador viesse a jogar no Benfica ou no Porto, o clube seria compensado com a verba de €30 milhões. Pois bem, à data João Mário é jogador do Benfica e ninguém pagou ao Sporting. E, sem muitas reservas, não parece que alguém pagará.

Na versão do Sporting, para fugirem ao acordado João Mário e Inter usaram um expediente fácil de entender: primeiro, o atleta rescindiu por mútuo acordo com clube milanês. E logo após foi contratado pelo Benfica. E assim o Inter nada teria a pagar porque não vendeu o jogador ao Benfica. João Mário também nada incumpriu, afinal era um jogador livre quando assinou pelo clube das águias. Perante este cenário, poderíamos assumir um «e viveram felizes para sempre», mas não, o Sporting entrou, no passado mês de julho, com uma ação no Tribunal do Trabalho de Lisboa, exigindo o pagamento que considera devido. Não esquecer que no meio disto tudo o Benfica comunicou à CMVM que pagou €5,5, milhões pela aquisição dos direitos de inscrição desportiva e económicos do atleta.

Agora a ação corre nos tribunais de trabalho e vai levar algum tempo, isso é certo. Mas aqui, mesmo que a tese do Sporting seja correta, as coisas são diferentes.  Não se trata de direito desportivo, aquele onde o jogador/trabalhador é visto como a parte forte e o clube a parte fraca, mas sim do direito do trabalho, que se aplica a mim e a si, caro leitor, onde o trabalhador é visto como a parte fraca e o empregador como a parte forte.
 

João Mário, no Benfica desde 2021/2022


No direito do trabalho há, entre muitas outras normas, a liberdade de trabalho - art.º 47, nº 1, da Constituição portuguesa. E o art.º 136, nº 1, do Código do Trabalho que diz que «é nula a cláusula do contrato de trabalho (…) que possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato». Há, naturalmente, algumas limitadas exceções, mas a lei é clara, a liberdade do trabalhador e de trabalhar é, em Portugal, praticamente intocável. E poucas limitações, muito poucas mesmo, são aceites.

Existem, claro, outras normas aplicáveis aos contratos de trabalho em que o Sporting pode apoiar as suas pretensões. Por exemplo, o Sporting poderá arguir que o comportamento de João Mário, Inter e Benfica, nomeadamente os tais €5,5 milhões que o Benfica pagou, consubstancia uma fraude à lei, já que, através de mecanismos legais, procuram atingir fins ilícitos. Ou seja, violar a cláusula de não concorrência do contrato que o Sporting celebrou com o clube de Milão. Mas neste caso o Sporting não está a jogar em casa, no campo do direito desportivo e nos seus órgãos e tribunais arbitrais, onde o edifício legal foi construído pelos clubes para os clubes. Está a jogar fora, num campo difícil, onde a jurisprudência constante lhe é fortemente desfavorável. Onde a liberdade do trabalhador é fundamental e as limitações que se lhe pode colocar são poucas. 30 milhões de euros para o Sporting por violação de não concorrência nos tribunais de trabalho? Se é disso que se trata, nem pensar, o direito ao golo nesse jogo é do Inter de Milão, do jogador e do Benfica.