Benfica: contratar para esquecer

OPINIÃO04.09.202409:30

Os reforços que vão ficar no banco custam tanto ou mais que o PSG pagou por João Neves. São muitos os sinais reveladores de uma casa desarrumada

 

Contratar um jogador (Akturkoglu) sem haver ainda treinador - nem sinais de que tenha sido uma escolha do sucessor de Roger Schmidt - foi a cereja no topo do bolo de um dos defesos mais surreais dos últimos anos do Benfica. Chegados a meio de setembro, o plantel e o onze base será substancialmente diferente, do meio-campo para a frente, daquele que foi idealizado no arranque oficial da temporada, o que vai contra os princípios básicos da estabilidade das grandes equipas.

O excesso de opções para o ataque e alguma míngua do meio-campo para trás não augura o equilíbrio que se pede a um candidato ao título. Acreditando, pelas palavras de Rui Costa, que o substituto do treinador alemão deverá manter-se fiel ao esquema tático, as águias têm neste momento nove jogadores para três posições do ataque. Dito de outra forma, por cada três que atuam, seis ficarão de fora. Haverá Aursnes, Tiago Gouveia e Schjelderup na esquerda, Amdouni, Kokçu e Prestianni para segundo avançado, Di María, Arturkoglu e Rollheiser na direita.

Por outro lado, o ponta de lança Pavlidis terá apenas como concorrente direto um avançado desmotivado (Arthur Cabral) que só não saiu porque ninguém quis pagar o que o clube pede; e no setor defensivo, em particular nas laterais, persistem as dúvidas: o concorrente de Alexander Bah chegou no último dia (quando há mais de um ano que a lacuna estava identificada, embora, tal como recordou o presidente, Aursnes era «o melhor lateral-direito do campeonato») e na esquerda Álvaro Carreras tarda em justificar a contratação – quanto a Beste, é preciso dar-lhe tempo. Não esquecer, ainda, a baliza: as águias tentaram contratar, quase em cima da hora, um guarda-redes para número 2, quando há muito que se sabe haver ali uma lacuna.

Torna-se difícil entender o timing de decisões tão estruturantes: o Benfica foi rápido a contratar Pavlidis e Beste no início do verão, mas perdeu-se no caminho, mostrando falta de rumo e planeamento, tomando decisões em função dos acontecimentos ao invés de impor a própria agenda.

A gestão de expectativas de Neres, João Mário e Marcos Leonardo foi em sentido contrário do que vem nos livros, com a agravante de mexer com as sensibilidades no balneário (hoje eles, amanhã eu), à semelhança do que acontecera com Vlachodimos há cerca de um ano.

A solução (e não é de agora) tem sido, caricaturalmente falando, contratar para esquecer, numa embriaguez mercantilista sem freio. Voltando aos tais três lugares da frente: imaginemos que o Benfica jogue com Di María na direita, Amdouni no meio e Aursnes na esquerda: os tais seis que ficam de fora custaram 63 milhões de euros (mais do que os encarnados receberam do PSG por João Neves) em apenas um ano e meio.

São demasiados sinais que se juntam a outros menos mediáticos mas reveladores de uma casa com evidentes problemas: mexidas na comissão executiva da SAD, na área financeira, jurídica, scouting e até o diretor-geral do Benfica Campus, no Seixal, está de saída - e nem a propósito: a academia (outrora joia da coroa) não está a produzir talento em qualidade e quantidade para a equipa principal como nos anos anteriores. Só assim se explica a quantidade de contratações, muitas delas para reforçar o banco de suplentes.