A divulgação dos resultados da auditoria forense à gestão do FC Porto nos últimos dez anos, teve o efeito de um deslocamento de placas tectónicas: foi libertada força e pressão suficientes para gerar um sismo de grau dez na escala de Richter, e muito provavelmente formar-se-á um tsunami que mudará a face do que era dado como certo no universo azul-e-branco. A partir do momento em que foi aberta a caixa de Pandora, embora importantes, as decisões que vierem a ser tomadas dentro da família portista, serão sempre menos relevantes do que a intervenção do Ministério Público, que juntou os novos factos vindos a público à Operação Prolongamento, que investiga vários negócios de transferências de jogadores e altos responsáveis dos dragões. Estando os elementos probatórios adicionais na posse da Justiça, tudo o que puder ser dito, quer a favor, quer contra os ex-gestores dos Dragões, será irrelevante, porque as peças vão passar a ser movidas num tabuleiro diferente, e vistas desapaixonadamente, correspondendo consequências aos atos danosos eventualmente apurados. Percebo o desespero de quem se julgava acima de todo e qualquer escrutínio, mas o tempo em que as suas ações, nomeadamente minando o atual treinador para atingir o atual presidente, podiam ser relevantes, já lá vai. A partir do momento em que o Ministério Público entrou em campo, as vitórias ou derrotas desportivas dos dragões, que sem dúvida impactam na massa de sócios e adeptos, deixam de ser significativas para uma eventual regressão do processo. E assim chega-se ao tempo de dizer, um pouco à imagem do que fez António Costa relativamente a José Sócrates, «à Justiça o que é da Justiça, ao Desporto o que é do Desporto.» Os sócios do FC Porto, que há menos de um ano intuíram que era altura de virar a página na história do clube, elegendo Villas-Boas presidente com 80 por cento dos votos, em detrimento de um passado de mais de quatro décadas recheadas de troféus, podem agora ser confrontados com uma realidade para a qual, creio, não estariam preparados: e se o que for apurado na Justiça, com base na auditoria, atirar para o foro criminal o destino de quem se presumia intocável? Como será possível, ao mesmo tempo louvar uma parte do legado da gestão cessante, e abominar o restante? Trata-se de uma questão académica, quiçá, mas sem dúvida fascinante: como verá a história, daqui a algumas décadas, o apogeu e queda de um caudilhismo que mobilizou, anestesiando criticamente, uma massa adepta agora incrédula perante a crueza das conclusões da auditoria? Em muitos casos, do Marquês de Pombal a Napoleão Bonaparte, o tempo realçou a obra deixada, e desvalorizou o resto; noutros regentes absolutistas, verificou-se o inverso, passando a ocupar na História o lugar daquele que não se pronuncia o nome. Como será avaliado, pelos portistas, o legado de Pinto da Costa? Será possível separar o trigo do joio, nos seus múltiplos consulados, e, porventura, mantê-lo blindado? O bom senso manda que, até às conclusões da Justiça, não sejam tomadas decisões que depois podem ter de ser revertidas. Aí seria pior a emenda que o soneto.