As eleições no Benfica

OPINIÃO06.09.202107:00

E em dois meses, o dilema de se candidatar deixou de estar na cabeça de Rui Costa e passou a estar na dos seus principais opositores

DEPOIS da bonança que se seguiu à tempestade provocada pela detenção e subsequente demissão de Luís Filipe Vieira, aproveitada por Rui Costa e seus pares para construírem, de forma tranquila, o plantel para 2021/2022 e garantirem a tão importante presença na fase de grupos da Liga dos Campeões, os próximos tempos farão, já se percebeu, regressar alguma turbulência à Luz. Era, convenhamos, de prever, tendo em conta que os últimos meses foram, como sempre se percebera que seriam, apenas um período de tréguas que todos respeitaram em nome daqueles que eram os interesses imediatos do Benfica. Cumprido o primeiro objetivo da temporada, Rui Costa cumpriu, também, aquilo que prometera e abriu espaço para que sejam os sócios - e não os estatutos - a escolher o nome do próximo presidente. Até aqui tudo bem. Era, no fundo, isso que todos, apoiantes e opositores, lhe pediam. O problema é que, em apenas dois meses, as circunstâncias mudaram. E o que parecia pacífico acaba, afinal, por não ser tão pacífico assim. E é estranho que assim seja. Falta de tempo para preparar uma candidatura? É um argumento difícil de compreender.
Repare-se: desde que Luís Filipe Vieira se demitiu e Rui Costa assumiu a presidência que se percebia que o futuro, mais ou menos distante, passaria por eleições. Foi a 9 de julho, ou seja, há quase dois meses. Mais: quatro dias depois a Direção emitiu um comunicado em que se comprometia a marcar um ato eleitoral até ao final do ano. Ou seja, desde 13 de julho que os potenciais candidatos sabiam (e os meses de outubro/novembro sempre foram apontados como datas mais prováveis) que o Benfica iria a eleições até dezembro, como, aliás, eles ou os seus mandatários sempre defenderam. Tiveram, portanto, tempo mais do que suficiente para se prepararem e terem, já nesta altura, montada a máquina que lhes permitisse concorrer, com tudo aquilo que uma campanha eleitoral exige. Além disso, o último ato eleitoral realizou-se há menos de um ano. E prevendo-se que os candidatos - ou pelo menos aquele que teria, de forma absolutamente legítima, maiores aspirações a ganhar - seriam os mesmos, seria uma questão de aproveitar muito do que já estava feito. A falta de tempo é, portanto, um argumento que só com esforço e alguma bondade pode ser olhado como válido.
 

Rui Costa cumpriu a promessa e marcou as eleições para o mês de outubro

Oproblema é, naturalmente, outro. E reside no facto, como há pouco escrevi, de as circunstâncias terem mudado na Luz e aqueles que, há dois meses, olhariam para as eleições com expectativa de poderem ganhá-las, ou pelo menos de poderem lutar pela vitória, terem visto as suas possibilidades de sucesso diminuírem de forma drástica. É uma realidade incontornável, como desde o início se sabia que seria: os resultados ditariam o futuro de Rui Costa na presidência do Benfica. Se o início da época corresse bem, ganharia sem problemas; se corresse mal as coisas poderiam complicar-se. E a verdade é que, feitas as contas, as coisas correram muito bem. O Benfica garantiu a presença na fase de grupos da Liga dos Campeões, chega ao início de setembro como líder isolado no campeonato e os adeptos estão (e têm razões para estar) entusiasmados com a equipa de futebol. E perante isto é fácil adivinhar que Rui Costa ganhará facilmente o próximo ato eleitoral, concorra contra quem concorrer. Sabe Rui Costa e sabem os seus opositores. E é, afinal, aí que reside a verdadeira questão

NORONHA LOPES, aquele que, pelos excelentes resultados de há um ano, era há uns meses olhado como o principal adversário de Rui Costa, ainda não disse se será candidato e acusou ontem a atual Direção de «taticismo», por ter marcado as eleições em cima de vitórias. É caso para perguntar: devia a Mesa da Assembleia Geral marcar eleições numa altura em que o Benfica estivesse a perder? Não faz muito sentido. Além disso, como escrevi atrás, Rui Costa garantiu que marcaria eleições até ao final do ano há quase dois meses, numa altura em que a equipa não tinha realizado, sequer, um jogo oficial. Não tinha, portanto, como saber se os resultados o ajudariam ou prejudicariam quando chegasse a altura de os sócios escolherem, nas urnas, o futuro presidente eleito do Benfica. Correu bem? Correu, claro que correu. Mas também podia ter corrido mal. Terá havido algum aproveitamento dos atuais Órgãos Sociais, marcando as eleições para o dia 9 de outubro, quando as poderiam ter marcado mais para o fim do mês, aproveitando o bom momento do futebol? É provável que sim. Mas se o Benfica não tivesse entrado na fase de grupos da Liga dos Campeões e não estivesse em primeiro lugar na Liga, não iria a oposição exigir a marcação do ato eleitoral com a maior brevidade possível, para aproveitar o que seria o mau momento do futebol? Certamente que sim. Faz parte das estratégias inerentes a qualquer ato eleitoral.

Overdadeiro dilema está, neste momento, não na cabeça de Rui Costa - que mesmo não tendo ainda assumido uma candidatura sabe que, avançando, será ele o próximo presidente eleito do Benfica - mas sim na dos seus opositores. Em especial, por motivos óbvios, na de Noronha Lopes, a quem cabe decidir se, nas atuais circunstâncias, faz sentido concorrer de novo, sabendo, como por certo saberá, que terá um resultado menos expressivo do que aquele que obteve quando enfrentou Luís Filipe Vieira.
Pessoalmente, se me perguntassem, diria que sim. Um projeto como aquele que Noronha Lopes apresentou há um ano, e que mereceu a aceitação de 34,71 por cento dos sócios nas eleições mais concorridas da história do Benfica, merece voltar a ser falado e discutido. Merece mostrar que vai muito para lá daquilo que ditam, no momento, os resultados da equipa de futebol. Independentemente da maior ou menor possibilidade de sucesso. Acresce a isso o facto de, com um adversário como João Noronha Lopes, ser forçado Rui Costa a discutir temas que os benfiquistas querem, efetivamente, ver discutidos. Talvez tenha até Rui Costa de ir ao encontro de algumas das ideias que tanto têm marcado a discussão em torno do clube desde a saída de Vieira. Faz sentido avançar sabendo, à partida, que vai perder? Sabendo, até, que se calhar vai perder por muitos? Julgo que sim. Até porque uma derrota hoje pode significar uma vitória amanhã.
Se há coisa que temos como cada vez mais certo é que as coisas mudam. E nos clubes (ou pelo menos na maioria deles) mudam de forma inesperada e de um dia para o outro. E mesmo perdendo no dia 9 de outubro, aquilo que nunca lhe perdoariam é não se ter, sequer, apresentado à corrida depois de há um ano ter conseguido mais de 34 por cento dos votos. Isso sim, seria o fim das aspirações de Noronha Lopes no Benfica. Ainda por cima se para não se apresentar a jogo utilizar argumentos que a grande maioria dos benfiquistas olhem como meras desculpas para sustentar a sua decisão.