AG’s do Benfica, um tema incómodo
Assembleia Geral do Benfica

AG’s do Benfica, um tema incómodo

O Benfica tem 115.681 sócios com capacidade eleitoral; nas últimas eleições votaram 40.085; na importantíssima AG de sábado estiveram 1.644. Faz sentido?

Não é de agora que me parece desproporcionado o poder que se atribui às Assembleias Gerais (AG) dos clubes que sendo de âmbito nacional, também extravasam fronteiras. Peguemos no exemplo mais recente, o do Benfica, que teve uma reunião magna para decidir sobre matéria constituinte, que requeria três quartos dos votos para ser aprovada. Segundo números oficiais de 2021, haveria 115.681 sócios do clube da Luz com capacidade eleitoral; na AG do último sábado, realizada no pavilhão da Luz, e que foi, para os padrões habituais, bastante concorrida, estiveram presentes 1644 sócios, ou seja, 1,4% daqueles que tinham direito a voto.

Deixando aqui de lado (por irrelevante, perante tamanha disparidade) a valoração feita pelos anos de filiação clubista, quer isto dizer que, de um universo de 115.681 sócios aptos a participar na AG, bastariam 1233 para perfazer os 75% requeridos para alterar os estatutos. Mas aceitemos, por ser mais do que razoável, que nem todos os 115.681 sócios praticam uma militância clubista ativa, e passemos a considerar apenas os votantes nas últimas eleições, há quase três anos, que colocaram frente a frente Rui Costa e Francisco Benitez: foram às urnas, dizer de sua justiça, 40.085 sócios do Benfica, 24,3 vezes mais do que aqueles que estiveram na AG de sábado.

Num clube de bairro, resolver os assuntos através de uma Assembleia Geral é adequado, e sê-lo-á, também, num clube de cidade. Quando a dimensão do emblema ultrapassa este âmbito, por uma questão de justiça, para que uns, por razões geográficas, não sejam discriminados positivamente, para que as decisões tomadas sejam inclusivas e vinculem os principais ativos dos clubes – os sócios – a fórmula tem de ser outra, porque longe vão os tempos das mesas de voto na secretaria-geral do Jardim do Regedor. E o mais estranho, no Benfica e não só, é que não se vê ninguém realmente preocupado com este problema e empenhado em encontrar uma solução – quiçá seguindo o exemplo do Real Madrid, que continua a ser um clube dos sócios - criando uma Assembleia Delegada onde cada votante representasse, imagine-se apenas como hipótese académica, cem sócios.

A meu ver, para os clubes que querem continuar a viver sob o primado dos sócios, e não dos investidores, só esta solução poderá, eficazmente, compatibilizar passado e futuro, fazendo com que todos se sintam incluídos e representados.

A viver uma fase delicada do ponto de vista desportivo, social e económico (outras AG’s, em breve, aprofundarão estas questões), a entrada de Bruno Lage teve um primeiro efeito libertador e agregador, que foi suficiente para que a equipa da Luz recuperasse a alegria, colocasse quase todas as pedras no sítio, e conseguisse dois triunfos importantes. Mas o trilho é estreito e ladeado por areias movediças. Nesta fase de instabilidade externa, só os triunfos do futebol poderão ser a cola que não precipite nenhum desenlace. Bruno Lage está, para já, apenas a erguer, com jeito e paciência, um castelo de cartas. Ainda sem margem de erro…