É cada vez mais difícil e perigoso ser árbitro
É cada vez mais difícil e perigoso ser árbitro (Foto: Imago)

Agressões a árbitros: não é bem bar aberto mas é quase

'O poder da palavra' é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, antigo árbitro

1 As últimas semanas voltaram a ser negras no que diz respeito a agressões a árbitros de futebol. Infelizmente, o tema é tão recorrente que já nem é assunto. Os media já não dão muita importância e nem a estrutura nacional presta-se à condenação pública dessas atrocidades, na defesa da salvaguarda física e emocional dos seus árbitros.

Não é bem bar aberto mas é quase, porque tudo isto parece passar pelos intervalos da chuva, como se fizesse parte. Danos colaterais inevitáveis. Claro que quem é agredido, quem cai ao chão inanimado, quem leva o soco na boca, a cabeçada ou o pontapé, pensa diferente. Quem faz queixa e perde horas no tribunal, quem vai receber assistência médica e mete baixa, importa-se. Importam-se eles, os seus colegas, os seus pais e amigos, as suas esposas ou namoradas, todos os que já sentiram na pela a fúria desgovernada de terceiros.

Pedro Fragoso, árbitro de futsal e reconhecido formador com mais de 20 anos de puro amor à camisola, foi pontapeado na zona da anca/antebraço porque expulsou um atleta que lhe dirigiu palavras ofensivas no final do jogo. Quer o agressor, o Sr. Rui Martins (jogador do GROB, equipa da 1.ª Divisão Distrital da AF Lisboa), quer a situação em si, foram gravadas para a posteridade num vídeo que circula online. Desta vez, o castigo foi divulgado com grande celeridade (honra seja feita ao CD), mas a sanção publicada foi ofensiva para todos os que acreditam na justiça: o atleta foi punido com três meses de suspensão. É esse o preço a que está a agressão a um árbitro por estes dias. É uma afronta, que devia fazer corar de vergonha ou quem aplica os regulamentos ou, na impossibilidade destes poderem fazer mais, quem cria legislação vocacionada para proteger quem bate.

Também na AF Lisboa, um árbitro assistente com décadas de experiência foi agredido por um PCS, alguém que, pasme-se, tem por missão garantir a segurança dos intervenientes, árbitros incluídos. O Sr. Carlos Saque, afeto à equipa do Sacavenense-C, tentou agredir o árbitro principal. Como não conseguiu, pontapeou as pernas do colega daquele, mesmo que agarrado por tanta gente. Fê-lo por entre insultos e ameaças de que iria prosseguir. O jogo, da 3.ª Divisão Distrital, foi apenas mais um de tantos onde os árbitros continuam a ser as maiores vítimas às mãos de gente desgovernada, que não tem condições emocionais para entrar em recintos desportivos.

Mas a violência não se fica apenas pelos homens do apito. No Distrital de Aveiro, no CCR São Martinho/Milheiroense, os confrontos entre jogadores e adeptos foram de tal forma que obrigaram um futebolista a saltar o muro para fugir do campo. Também aqui há vários que mostram um cenário triste, quase arcaico, com correrias desenfreadas, gritaria, falta de nível, de respeito, de civismo. Tudo o que nunca deveríamos ver nesta atividade.

Este tema é recorrente mas não deixa de ser relevante só porque se banalizou pela repetição. Pelo contrário. Independentemente de serem fenómenos difíceis de erradicar, a opção nunca pode ser não dizer nada, não fazer nada. É fundamental que se continue a expor, a denunciar e a exigir justiça para quem é vítima de abusos emocionais e físicos numa atividade que ainda é um dos exemplos maiores da nossa juventude. O silêncio é importante mas, nestes casos, é irresponsável porque vale como legitimação de tudo o que está errado.

 

2 Os árbitros e os videoárbitros portugueses têm neste momento boas condições para realizarem trabalhos com a máxima qualidade possível. Não terão as melhores do mundo, é certo, mas estão muito longe de ter as piores. Essa motivação e o facto de se dedicarem em exclusivo às suas funções deve obrigá-los a trabalharem no limite, sobretudo quando estão em modo jogo. É aí que o foco, o empenho, a entrega, o profissionalismo têm que ser máximos!

O que aconteceu no último jogo em Guimarães — os dois golos validados pelo VAR ao Arouca — é apenas a prova de que a seleção dos melhores ainda está longe de estar feita. É importante dizê-lo de forma clara, direta e transparente: quem prova sistematicamente não ter qualidades, não pode exercer funções de decisão. É simples.