Se é uma daquelas pessoas para quem o debate sobre o GOAT (greatest of all time, o melhor de sempre) no ténis é infrutífero pode dar-se por feliz: Novak Djokovic acabou, ontem, com o resto de dúvidas que ainda havia. Em Roland-Garros, na terra batida sagrada de Rafael Nadal, o sérvio tocou o céu e tornou-se no recordista de títulos de Grand Slam, atingindo os 23 e deixando, muito provavelmente de forma definitiva - o próprio já admitiu que o fim de carreira está a 'bater à porta -, Rafael Nadal (22) para trás. E o mais assustador é que motivação não falta ao sérvio para ir em busca de mais. «Estou ansioso por Wimbledon», disse imediatamente após ser coroado com o terceiro título no torneio francês. E se é verdade que os números são os números e nunca dizem tudo, também é verdade que nos ajudam para entendermos a supremacia do sérvio aos dias de hoje. Vejamos: mais títulos de Masters 1.000 (38), mais semanas como número um mundial (387, só Federer passou das 300 em toda a história), mais anos como número um no fim da época (7), mais vitórias contra jogadores do top10 (245), um Golden Masters (detentor de todos os torneios dessa categoria), dois Golden Slam (detentor de todos os quatro torneios mas em épocas diferentes) e ‘frente a frente’ superior com Nadal (30-29) e Federer (27-23). Não, não é desvalorizar o maiorquino, o maior competidor da história deste desporto e que nem o 136.º lugar do ranking nesta altura vai apagar, muito menos o suíço, embaixador da elegância no ténis e que, é verdade, teve o prime antes de Djokovic aparecer 'em força' no circuito. Os dois estão, obviamente, num patamar altíssimo, mas Djokovic foi capaz de subir um outro degrau. Esta é tão somente a valorização da autêntica máquina em que o natural de Belgrado se tornou, hoje só capaz de ser colocado em causa por motivos extra ténis, como a polémica não vacinação, que até o fez perder oportunidades de enriquecer o currículo, ou o exacerbado nacionalismo sérvio que, pontualmente, faz questão de mostrar. Aos 36 anos acabados de fazer, Nole está melhor do que nunca e, depois de década e meia de batalhas com os outros dois membros do Big Three, é um tenista absolutamente perfeito e que usou da rivalidade com ambos para ser o que é hoje. Nos ‘vintes’, Djoko teve 12-9 de registo em finais de Grand Slam, desde os ‘trintas’ tem recorde de 11-2. «Quando chega a altura destes torneios, ele é capaz de mudar o ‘chip’ mentalmente e fica mais motivado e esfomeado do que nunca», explicava o treinador, Goran Ivanisevic, sobre a mentalidade de ferro de Djoko na ‘hora H’. Uma das frases mais felizes da história do recente do ténis coube a Andy Roddick, antigo número um e vencedor de um US Open, que, enquanto via Djokovic defrontar Jenson Brooksby, em Flushing Meadows, em 2021, escreveu que Djokovic «primeiro tira-te as pernas e depois tira-te a alma». É isto, sem tirar nem pôr, e foi assim o filme da final com Casper Ruud. O meritório norueguês ‘voou’ no primeiro set e Djokovic até parecia perdido em court, quiçá acusando a pressão do momento. Smashes fáceis na rede e discussão com o árbitro pelo pouco tempo de recuperação entre pontos deixavam perceber o incómodo com o estado de coisas, até que, chegado ao 6-6, mostrou o porquê de ter a coroa, fechando o sexto tie break no torneio sem um único erro não forçado. Absolutamente surreal. O resto foi simplesmente o completar do destino que estava traçado desde o final desse set. O que aí virá? Ninguém sabe. Atingir os 109 títulos ATP de Federer (tem 94) parece meta demasiado alta, já que Djokovic vai, cada vez mais, poupando-se aos torneios ‘menores’ para estar em pleno nos Majors. Falta o ouro olímpico – poderá tentá-lo em 2024, em Paris – mas o passo definitivo para se sentar no trono já foi dado, por mais que ‘Nadalistas’ e ‘Federistas’ não queiram. A grandeza de um desportista não é medida apenas pelos números, claro está, mas Djoko reuniu-os de forma tão colossal a seu favor que o estatuto de ‘GOAT’ está, hoje, entregue. Em 1994, então com apenas sete anos e a viver entre bombardeamentos na antiga Jugoslávia, já Djokovic dizia que, um dia, queria ser o número um do mundo. Mal sabia ele que, quase 30 anos depois, seria o número um da história.