Abençoado futebol inglês!...
Ali joga-se e compete-se com lealdade. A verdade desportiva é uma coisa sagrada: não há lugar para chicos-espertos, incendiários e batoteiros
NOITE de terça-feira. Mais ou menos à mesma hora em que o presidente Rui Costa, na festa dos 119 anos do Benfica, pedia aos adeptos para se manterem «unidos, focados e imunes a todo um ruído externo que desponta sempre que a equipa lidera e o clube se mostra forte», o médio internacional português João Palhinha marcava um golo fabuloso na baliza do Leeds United, abrindo caminho à qualificação do Fulham para os quartos de final da FA Cup (Taça de Inglaterra), a competição clubística mais antiga do Mundo - começou a disputar-se em 1871, três anos antes do nascimento de um bebé chamado Winston Churchill. Não sei se «o ruído externo» a que Rui Costa se referiu era um eufemismo para se referir à notícia do dia - o facto de a Benfica SAD ter sido formalmente acusada de fraude fiscal qualificada no âmbito do processo saco azul (ex-presidente Vieira e atual administrador Soares de Oliveira incluídos) -, sei é que preferia mil vezes ter comentado na Bola da Noite d’A BOLA TV, em vez dessa e doutras sórdidas trapalhadas, o esplendoroso golo de Palhinha e a magia do velhinho e icónico Craven Cottage (o estádio mais antigo de Londres, onde joga o Fulham), que começou a ser construído à beira do rio Tamisa no dia 10 outubro de 1886 (tinha o jovem Winston 15 anos).
Nunca escondi aqui e n’A BOLA TV a paixão que tenho pelo futebol inglês, a admiração pela lealdade com que eles competem e a forma como protegem a integridade da competição. A verdade desportiva ali não é um verbo de encher, é uma coisa mesmo sagrada. Assim como o profundo respeito pelos adeptos, que enchem os estádios e sustentam o negócio. No abençoado futebol inglês os chicos-espertos, batoteiros e incendiários, quando aparecem (que também aparecem, claro; assim como aparecem na Alemanha, outro futebol norte-europeu sem grande paciência para wise guys e habilidosos…) têm vida muito curta. Quem prevarica ou pisa o risco é imediatamente apontado a dedo pelos reguladores (e pela própria opinião pública) e, se for caso disso, punido em tempo útil pela Justiça. Insisto neste ponto do tempo útil. Em Inglaterra ou na Alemanha, ninguém está disposto a esperar seis anos (!!!) para ficar a saber se uma acusação de corrupção de jogadores é ou não verdadeira. Isto porque a transparência e credibilidade da competição estão acima de tudo, até da morosidade própria da máquina judiciária. É um bem que todos protegem.
Por educação, formação e convicção penso exatamente o mesmo. E é por isso que sinto, e sempre sentirei, um profundo desprezo por aqueles que atentam contra a integridade do jogo mais bonito do Mundo - desprezo extensível a quem de alguma forma protege os prevaricadores e vive confortável com isso. Infelizmente, Portugal não é o sítio ideal para quem vive do comentário e preza a integridade competitiva e a verdade desportiva como bens absolutos. Há demasiados «ruídos externos» (para utilizar o eufemismo de Rui Costa) a poluir e denegrir aquilo que devia ser uma coisa credível e transparente, como os jogos da Premier League e da FA Cup.
Gavan Holohan, do Grimsby, quarto escalão de Inglaterra, marcou os dois golos que eliminaram o Southampton da Taça de Inglaterra
Voltando ao futebol inglês. Ontem, em Anfield, havia seis portugueses nos onzes iniciais do Liverpool-Wolverhampton (Diogo Jota nos reds; José Sá, Nélson Semedo, Rúben Neves, Moutinho e Matheus Nunes nos lobos), além de Fábio Carvalho e Vítor Matos, adjunto de Klopp, no banco do Liverpool; e Pedro Neto e Daniel Podence no banco dos Wolves. Dez ao todo. Sorte a deles poderem expressar-se no futebol mais competitivo do planeta… e creio que tanto Matheus Nunes como Rúben Neves sabiam que estavam a ser observados de forma especial pelo boss alemão da casa. Mas com tanto português envolvido foi um holandês (Virgil van Dijk) quem acabou por desbloquear a partida, que deixa Jurgen Klopp mais perto dos lugares de Champions e Julen Lopetegui um pouco mais aflito na luta pela manutenção.
Com licença do secundário Sheffield United, que eliminou em casa o Tottenham (1-0), termino com a surpresa da noite de ontem nos oitavos de final da Taça da Inglaterra, a sensacional vitória do Grimsby Town, da League Two (4.ª divisão inglesa), no estádio do primodivisionário Southampton (2-1), obtida com um par de penáltis apontados por um cavalheiro irlandês de apelido Holohan, Gavan Holohan, licença para tombar gigantes. O clube do Lincolnshire, cujo estádio fica numa encantadora vila piscatória chamada Cleethorpes (onde fiz um apontamento de reportagem há muitos anos), esteve pela última vez na primeira divisão em 1948 (!!!), tinha Winston Churchill 74 anos. O que eles devem ter festejado nos pubs…
PS - Já agora. Nunca vi no futebol inglês o espectáculo patético dado por presidentes de clube (!!!) a criticarem na TV árbitros e arbitragens no final dos jogos - nos estádios e até em garagens, como se vê por aqui, em todas as latitudes. Alguém disse terceiro mundo?...
NÁPOLES E ARSENAL: A MESMA LUTA
O Arsenal esmagou o Everton no Emirates (4-0) com uma esplêndida exibição e volta a ter cinco pontos de vantagem sobre o City no topo da Premier. É cedo para fazer previsões (faltam 13 jornadas), mas não há dúvida de que o treinador espanhol Mikel Arteta está bem encaminhado para colocar ponto final no longo jejum arsenalista na Premier: 19 anos desde o último campeonato conquistado pelos fabulosos invencíveis de Arsène Wenger (lembram-se?: Lehman; Lauren, Campbell, Kolo Touré, Ashley Cole; Ljungberg, Patrick Vieira, Gilberto e Robert Pires; Dennis Bergkamp e Thierry Henry). Um jejum ainda maior (33 anos) será quase certamente quebrado pelo espectacular Nápoles de Luciano Spalletti, que lidera o campeonato italiano com uma vantagem brutal (18 pontos) sobre o Inter e o Milan. O último scudetto napolitano aconteceu em 1990 e deixou a grande cidade sulista em êxtase. Alberto Bigon era o treinador desse onze abençoado pelo talento sublime de Diego Armando Maradona (lembram-se?: Giuliani; Ferrara, Baroni, Corradini e Francini; Crippa, De Napoli e Alemão; Maradona, Careca e Carnevale).
Não há mal que dure sempre.