A voz de Varandas

OPINIÃO18.11.202205:30

Líder do Sporting mostrou, claramente, saber para onde quer ir e como quer ir

Aentrevista dada pelo presidente do Sporting, esta semana, a um dos canais da televisão pública serviu, sobretudo, para se perceber como está muito mais assertivo o discurso do líder leonino. Concorde-se, ou não, com o que diz, devemos reconhecer que o diz com a firmeza de quem conhece agora melhor os dossiers, de quem está mais à vontade com todos os assuntos, e de quem procura defender os interesses do Sporting sem olhar apenas ao resultado desportivo ou à ambição pessoal. Admito que nem todos tenham esta mesma leitura da intervenção pública do presidente do Sporting. Admito, naturalmente, que entre os sportinguistas ainda muitos desconfiem das boas intenções, competência e liderança de Frederico Varandas. Sou, à distância, um mero observador da realidade leonina, e, portanto, cabe-me defender pontos de vista e não avaliar o que pensam os verdadeiros sportinguistas, sejam sócios ou simplesmente adeptos.
O que me custa admitir, isso, sim, confesso, é que se escrutine o trabalho, a personalidade, a liderança e as competências de Varandas com base nas dificuldades de comunicação que o presidente do Sporting manifestamente tem. O que custa é perceber como se pode julgar o trabalho de Varandas pelo dom da palavra ou apontar-lhe o dedo com o argumento de não saber falar tão bem como muitos gostariam que falasse, e certamente o próprio presidente leonino gostaria de ter melhor oratória do que a que Deus lhe deu.
Nem todos nos expressamos com facilidade, e muito menos quando confrontados com microfones, luzes, câmaras de televisão, seja num estúdio ou na rua, falemos para um ou para cem pessoas. Revejo-me um pouco nessa dificuldade porque nunca gostei de falar em público.
Escrutinar a direção escolhida por Frederico Varandas, a gestão que faz e as decisões que toma pelos problemas que tem de comunicação seria o mesmo, passe naturalmente o exagero, que por não ser tão eloquente a falar em público, Eusébio não devia ser considerado o maior do seu tempo. Passe o exagero, repito.
Não gostam alguns sportinguistas do presidente que têm pelo modo como enfrentou, desde o início, eventuais abusos ou relações suspeitas numa das claques leoninas? Criticarão Varandas por não ter conseguido evitar a saída do jovem Matheus Nunes? Esteve, porventura, mal no chamado caso Slimani? Não soube aproveitar a realidade da negociação com os bancos (altamente favorável a Alvalade)? Está ou não a conseguir equilibrar o barco leonino, mesmo considerando o muito dinheiro conseguido com o contrato de direitos televisivos e sponsorização com uma das mais fortes operadoras do mercado? Escolheu ou não escolheu bem o treinador, por quem arriscou dez milhões de euros, deixando a própria cabeça a prémio?

NESTA entrevista, Frederico Varandas foi, provavelmente, mais assertivo do que nunca. Explicou ponto por ponto com a firmeza de um leão, deu murro na mesa sempre que foi de dar - o caso da claque e da liderança dessa claque é o melhor exemplo.
E deixou clara a intenção do Sporting por si liderado com o treinador Rúben Amorim, admitindo eu que Rúben Amorim não foi, como julgo que devia ter sido, solidário com a SAD que o contratou quando devia, sobretudo no caso da transferência de Matheus Nunes.
Como esquecer as alfinetadas que Rúben Amorim deixou, na altura, ao próprio patrão, para, no fim de contas, se considerar apenas «um empregado», julgando sacudir, assim, qualquer responsabilidade na matéria.
Deve Rúben Amorim, porém, perceber, como tão promissor treinador que é, que nunca pode achar-se, ou ser visto, apenas como um «mero empregado», como chegou a considerar-se, porque o treinador da equipa principal de futebol de uma empresa cotada em bolsa como a SAD do Sporting (ou de qualquer outro clube) é, só, um dos seus principais gestores, e como um dos principais gestores, para não dizer o mais importante dos gestores, é, no caso, principescamente pago como é. Nenhum mero empregado, mesmo de uma grande empresa, ganha 2,5 milhões de euros líquidos por época como ganha (nunca desmentido) Rúben Amorim.
Ora, só um grande gestor, com tremendas responsabilidades na gestão dos ativos, na estratégia, na condução do projeto, no planeamento e na operação, pode aspirar a ganhar o que alguns treinadores, como Rúben Amorim, ganham. É muito? É pouco?

RÚBEN AMORIM foi absolutamente decisivo no renascimento do Sporting. Foi graças a Rúben Amorim, ao seu trabalho, à escolha da equipa, ao modo como a pôs a jogar, e à maneira como defendeu o clube, o guiou, lhe devolveu o orgulho, a raça, a garra, o entusiasmo. Com Rúben Amorim o Sporting voltou a ser campeão nacional e isso é algo que já ninguém lhe pode tirar.
Mas com todos os méritos já reconhecidos e, porventura, alguns ainda por reconhecer, o que me parece que Rúben Amorim não deve é continuar a acentuar (ou insinuar) a divergência do último verão no caso Matheus Nunes. Porque deixa com o rabo de fora uma evidente falta de solidariedade com a administração da empresa que tão principescamente lhe paga, segundo porque deve reconhecer que a administração da empresa que tão principescamente lhe paga nunca procurou pôr-se por cima do treinador na hora do sucesso no campeonato, e nunca o comprometeu (e, porventura, até o poderia ter feito) no caso Slimani, quando parece claro ter-se tratado de um conflito com o treinador que a administração resolveu, como devia, evidentemente, no interesse e pela vontade do líder da equipa. Nem podia ser de outra maneira, sob pena de abrir perigoso precedente.
Volto à entrevista de Frederico Varandas para reconhecer, mais uma vez, a seriedade que parece colocar em cada uma das questões, mesmo as mais sensíveis. O líder leonino não tem a fluência de discurso do treinador. Pois não. Longe disso. Rúben Amorim, tendo sido um jogador de versatilidade e inteligência apreciáveis, fala, porém, muito melhor do que jogava. Mas falar bem não pode ser, por si só, sinal de competência.
Dou o exemplo do anterior presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que não conseguiu, naturalmente, esconder as suas imensas dificuldades de comunicação quando chegou ao leme de um porta-aviões com grandeza do Benfica, mas nem isso o impediu de fazer o que fez no clube da Luz, com todas as virtudes e tremendos defeitos, e deixar a obra que todos reconhecem, ainda hoje, que deixou, apesar da violência do mar no cabo das tormentas que teve de enfrentar.

NO gigantesco porta-aviões que é, também, o Sporting, as dificuldades de Frederico Varandas comunicar o que realmente quer comunicar não podem levar os sportinguistas a diminuir o trabalho real que faz na defesa do Sporting, dos interesses do Sporting, ou do que julga ser a defesa dos interesses do Sporting, nem sempre coincidentes, como é natural, com a opinião de alguns sportinguistas.
Não deixo, porém, de notar que mesmo a tendência, nem sempre bem recebida pela crítica, de Varandas falar, sobretudo, do velho rival da Segunda Circular, esteve, nesta entrevista, reduzida, praticamente, a duas expressões, ambas factuais: lembrou o líder leonino que o Benfica gastou mais de 200 milhões de euros nos últimos três anos e não ganhou um único título, o que é manifestamente verdade; e deu o exemplo de João Mário nunca ter sido convocado para a Seleção enquanto jogou, por empréstimo, em Alvalade (mesmo campeão nacional), ao contrário do que sucedeu logo que mudou para o Benfica. Indesmentível. Goste-se ou não de o ouvir.
Frederico Varandas foi, ainda, muito mais positivo com o treinador Rúben Amorim, em quem continua a depositar merecida e indispensável confiança, do que me parece que tem sido Rúben Amorim com o seu presidente - basta ver como, volta não volta, recorda o último verão!...
Deixou, por fim, o presidente do Sporting imagem clara de quem sabe exatamente para onde quer continuar a ir e de como quer continuar a ir. Saberá Varandas que, no futebol, nada se consegue sem ganhar alguma coisa. E saberá ainda que no futebol (como na vida) o mais difícil (sendo difícil) não é ganhar uma vez. É ganhar mais do que uma vez.
Ao Sporting, a Varandas e a Rúben, o que falta é voltar a ganhar. E havendo no futebol, como eles também o sabem, mais do que um caminho para se vencer, creio que apenas um pode ser o espírito.
O de união!