A visão do Tiago
«Tiago Craveiro é, seguramente, o melhor dirigente português, do ponto de vista da visão e orientação para o futuro» defende Rui Almeida (FOTO: A BOLA)

A visão do Tiago

Livre e Direito é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida, jornalista

Julho de 2014. Mundial de futebol. Brasil.

A Seleção portuguesa decide estagiar em Campinas, a cem quilómetros de São Paulo. Escolha estranha, até porque, para a fase de grupos, Portugal defrontaria a Alemanha em Salvador da Bahia, os Estados Unidos em Manaus e o Gana em Brasília.

Quem conhece o Brasil sabe do que falo: temperaturas muito distintas, humidade assimétrica, viagens muito longas e desgastantes. O país-continente merece um cuidado muito especial na preparação para competições de topo.

A presença de Portugal no Mundial-2014 saldou-se por um desaire (quase) absoluto, não conseguindo o apuramento para os oitavos de final.

Curiosamente, essa dificuldade foi transformada em oportunidade, porque mais fundo não se poderia ir. Fernando Gomes e Tiago Craveiro, há pouco chegados aos lugares de decisão na Federação Portuguesa de Futebol, quase inverteram as polaridades e repensaram as prioridades: construir de raiz um edifício para o futebol português, que aliasse a vertente desportiva e competitiva, a componente formativa e evolutiva, e a substância estrutural essencial para garantir o futuro a médio e longo prazo.

Começava uma grande aventura, justamente a partir de um mau resultado desportivo. A primeira fase da Cidade do Futebol foi inaugurada a 31 de março de 2016, exatamente para servir de base à preparação da Seleção A, que se viria, apenas, a sagrar campeã europeia nesse ano, em França.

Isto é, pensava-se o Futebol como um todo, nas suas diversas particularidades e necessidades. Um passo como ninguém havia dado, pese embora a intenção da edificação de uma casa das Seleções fosse um desejo antigo, do tempo dás presidências de Gilberto Madaíl, mas, por isto ou por aquilo, nunca concretizado.

Mas a FPF foi mais longe na sua missão e tornou-se benchmark em dois aspetos, a nível mundial. A criação do Canal 11 foi uma pedrada no charco da comunicação social portuguesa no que ao tratamento do futebol global diz respeito, na sua génese e nos seus objetivos.

E a Portugal Football School, o braço universitário da FPF, é hoje referência global na formação de quadros nas mais diversas áreas correlativas ao fenómeno desportivo e na investigação em áreas de ponta relacionadas com o treino do futebol.

É uma história que conta com o engajamento de uma equipa de profissionais de elevadíssima qualidade e reputação. Mas há um nome que, inevitavelmente, emerge como fio de primo e corrente transversal a todo este pensamento estratégico adaptado às necessidades do futebol português e à sua valorização perante os pares internacionais. Tiago Craveiro é, seguramente, o melhor dirigente português, do ponto de vista da visão e orientação para o futuro. E dos mais avessos às luzes da ribalta, o que só o tranquiliza e valoriza.

Independentemente do envolvimento de todos os arquitetos deste processo, Craveiro soube conduzir (por vezes por terrenos desconfortáveis e com marés contrárias…) este barco a bom porto, fruto de algo que falta, sistematicamente, no nosso país: capacidade de elencar necessidades, de ir ao fundo da questão e dos problemas para perceber o que efetivamente necessita de intervenção, gestão de prioridades e de equipas, equilíbrio de sensibilidades, jogo motivacional e visão periférica, de helicóptero, a tal que, quando temos, nos mostra uma realidade completamente diferente da perspetiva inicial.

Não me surpreendeu a saída do Tiago para a UEFA, a convite de Aleksander Ceferin. A sua experiência, aliada a uma permanente busca de inovação, já havia proporcionado ao organismo que gere os destinos do futebol continental a criação da Liga da Nações, a tal prova que, desde 2018, permite às seleções nacionais de menores recursos competitivos lutar entre si, conquistar pontos de ranking, equilibrar jogos e ganhar motivação, com o sistema de promoções e despromoções da mais recente competição.

Tem também o seu dedo a reestruturação competitiva a nível europeu, que bem dela necessitava para fazer face aos novos desafios dos direitos televisivos, das verbas de publicidade e marketing e da necessidade de continuar a gerar envolvimento entre público, negócio, espetáculo e competição.

Seria ele (inequivocamente), o melhor candidato à sucessão de Fernando Gomes na presidência da Federação Portuguesa de Futebol. O mais dotado tecnicamente, o de visão mais ampla e transversal, o mais conhecedor, o mais consensual. O mais competente, portanto.

Duvido que ele queira o cargo, o que é uma pena, porque dificilmente algum dos putativos candidatos já em trabalho de bastidores cumprirá tão brilhantemente todos os requisitos (embora, na minha opinião, haja um que se destaca, e dele falarei em breve…).

Fernando Gomes deixará uma marca indelével de competência e arrojo, de estruturação e conquistas. E também sabe, porque é um homem grato, que muito deve a Craveiro em todo o processo.

Nota final: sou amigo do Tiago há mais de trinta anos, o que em nada influencia a opinião que sobre ele exprimi. Espero que ele continue, em cada função e a cada minuto, a ser o que sempre tem sido.

Cartão branco

Quatro fases finais de campeonatos do mundo não são para qualquer um. São, aliás, para muito poucos… Eduardo Coelho, aos 44 anos, cumpre a sua quarta presença na prova máxima do futsal mundial: Tailândia (2012), Colômbia (2016), Lituânia (2021) e Uzbequistão (2024). O árbitro nascido na cidade francesa de Lourdes passa o testemunho a Cristiano Santos (dez anos mais jovem), que faz a sua estreia em Mundiais este ano, por terras uzbeques. Para Eduardo Coelho a certeza de que será um exemplo de dedicação, resiliência e competência numa área e numa modalidade em que esses são valores determinantes.

Cartão amarelo

É dos melhores treinadores portugueses e é, sobretudo, um cavalheiro. Porém, a sua saída do Al Nassr reveste-se de contornos tão previsíveis que não havia necessidade de, na véspera, vir a terreiro dizer que «mentir é uma coisa muito feia», quando confrontado por um jornalista com a quase inevitabilidade deste desenlace. Os jornalistas têm, por vezes, fontes que nem os treinadores dominam, e nem o discurso perfeito, são e escorreito de Luís Castro substitui o dislate da mentira feia… Uma coisa é certa: o técnico português continuará a ser um dos principais nomes na carteira de grandes clubes.