A silly season do futebol português

OPINIÃO04.03.202305:30

Abriu a época da caça no futebol. Quando os títulos começam a voar disparam-se tiros em todas as direções. De rajada ou tiro a tiro...

Aexpressão é inglesa. A silly season pode ser traduzida pelo período do ano em que as pessoas dizem coisas insensatas e pouco sérias. Normalmente tem a ver com o verão, as férias, a altura do ano em que poucas coisas de importância acontecem, sobretudo, ao nível político. Mas no futebol português, a tradução é diferente. O período de verão é substituído pelo tempo em que o campeonato nacional pode ficar decidido, o momento crítico em que cada jogo pode valer o sucesso ou o insucesso de uma época. 

O curioso é que a silly season refere-se a uma ideia de período de tempo em que se dizem coisas parvas porque não há nada de essencial para se dizer. Julho e agosto são meses ideais para a silly season, para as chamadas conversas da treta, para a invenção de realidades alternativa”, para a divulgação de boatos.

No futebol português, as coisas não se passam assim. A silly season é um género de data de abertura da caça. Quando o título de campeão parece começar voar, disparam-se os tiros na direção do culpado, mesmo que imaginário. Em momentos de desespero, vai de rajada. Em momentos mais calculados, chama-se o sniper de serviço e resolve-se tiro a tiro.

Como o leitor já deve ter reparado, já entrámos na silly season do futebol. Podem dizer-se as coisas mais disparatadas como a de «aconselhar o futebol português a abandonar a ideia do VAR», como se o VAR fosse apenas uma espécie de teimosia nacional, em vez de ser uma realidade definitiva do futebol mundial. Podem-se apresentar, sem contestação, em nome da unicidade do interesse de clube, contas originais com preocupantes prejuízos da sociedade e generosos lucros dos administradores. Podem-se plantar notícias cirúrgicas, beneficiando da balbúrdia do sistema de justiça. 
 

VAR não é espécie de teimosia nacional 


Diz-se, também, que é tempo de abrir a bolsa de valores de cada jogo, de cada adversário. Não, obrigatoriamente, para comprar derrotas alheias, mas para comprar vitórias. Hoje em dia, parece que é também uma ação que cai nas malhas da rede da legislação criminal. Porém, pagar como incentivo para uma equipa «querer mais» ganhar a outra que é adversário direto, não é, de facto, a mesma coisa do que pagar a alguém para falhar de propósito, seja ele árbitro, seja ele adversário, seja ele treinador em dívida de trabalho.

Enfim, aberta a silly season do nosso querido e original futebol, fiquemos à espera das cenas dos próximos capítulos e fiquemos atentos a todas as manobras de diversão e de desestabilização que se aproximam e que fazem parte do grande jogo que se joga sempre fora das quatro linhas.

Quem gosta mesmo de futebol e segue, por exemplo, a Premier League é natural que chore. De raiva, de impotência, até de vergonha. Eu sei, é triste perceber que, no essencial, o tempo passa mas poucas coisas mudam, ou só muito lentamente vão mudando. Haverá sempre quem diga que, afinal, todos somos culpados. É, manifestamente, um exagero. Não devemos assumir a culpa daqueles que são os verdadeiros responsáveis. É verdade que, sobretudo em matéria de futebol, mas não só, o nosso povo costuma ser cego, surdo e mudo. Perdoa e justifica tudo a quem gosta e acusa, com ou sem provas, quem detesta. E o pior é que não há meio termo. A sociedade, hoje, é a preto e branco. Ou se ama ou se odeia. Ou se está incondicionalmente a favor ou se está raivosamente contra. É uma sociedade do vazio e do ódio. Uma sociedade que se constrói numa cultura primária de ser contra, mas de nunca se saber de que se é a favor. E como diria o Professor Manuel Sérgio, afinal, o futebol apenas reflete as taras da sociedade.
 

DENTRO DA ÁREA – TÍTULOS EUROPEUS PARA PORTUGAL 

Com poucos minutos de diferença, Portugal conquistou dois títulos europeus de atletismo, em pista coberta. Pedro Pichardo, no triplo-salto e Auriol Dongmo, no lançamento do peso. Dirão os eternos céticos nacionalistas que Pichardo tem origem cubana e Dongmo nasceu nos Camarões. Não é um oportunismo português, antes uma realidade mundial que se vai acentuando com o aumento da imigração e os legítimos direitos de naturalização nos países de acolhimento. Não são apenas representantes de Portugal. São portugueses. 
 

FORA DA ÁREA – A PREOCUPANTE CLASSE POLÍTICA

O povo português pode ter o desagradável hábito de dizer mal e de achar que todos os políticos são iguais. As generalizações são sempre perigosas e injustas, mas é verdade que existem cada vez mais razões para nos preocuparmos com o nível técnico e intelectual da nossa classe política. Desde o 25 de Abril que a tendência é descendente em matéria de competência. Temos mais políticos menos preparados. Essa realidade também se reflete no governo. Há uma dramática convicção de que agem mal e não sabem como agir melhor.