A realidade do Benfica a 11 de julho de 2024
Roger Schmidt com os jogadores no Centro de Formação e Treino no Seixal. Foto: SL Benfica

A realidade do Benfica a 11 de julho de 2024

OPINIÃO11.07.202409:30

Impressionante, a corrida aos bilhetes de época; fundamental, aprender com os erros cometidos; e a conclusão é que a aposta no equilíbrio e no coletivo é sempre a que recompensa mais...

Qual é a realidade do Benfica no início da temporada de 2024/25? Nada mais fácil de caraterizar: apesar do aumento de preços, dos 45 mil lugares de época disponíveis para Red Pass, há cerca de 400 ainda no mercado, para uma lista de espera que ronda os 17 mil. Quer isto dizer que, apesar das desilusões da temporada passada, apesar da míngua de títulos, a que a Supertaça não matou a sede, apesar da desconfiança generalizada relativamente a Roger Schmidt, apesar das Assembleias Gerais marcadas pela contestação, o benfiquista puro e duro, do Terceiro Anel, que não pertence a qualquer bolha elitista que funciona em circuito fechado, continua a acreditar no clube, no lema, na força da tradição, e mais uma vez diz presente, abstraindo-se das questões políticas, apostando no que paga (e não é já assim tão pouco): 90 minutos caseiros, nacionais e internacionais, de uma experiência imersiva, de partilha de um ideal, uma cor e de uma comunhão centenárias, traduzidos, na expressão maior, no quarto de hora que durou, sem bola, o intervalo do jogo com o Marselha, na época passada, na homenagem a Sven-Goran Eriksson. Esse é o Benfica que não tem preço.

E quanto ao plantel? Francamente, se não houver saídas, ao dia de hoje o Benfica apenas precisa de um defesa esquerdo que esteja para lá de todas e quaisquer dúvidas. É claro que daria sempre jeito um Nélson Semedo ou um João Cancelo que jogasse igualmente em bem em qualquer das alas. Mas, mantendo os pés na terra, e sabendo que Aursnes é capaz de fazer essas posições, a prioridade será investir, sem tibiezas, incertezas ou hesitações, em alguém que pegue de estaca, e nesse particular, quer o departamento de scouting, quer o próprio treinador, devem atravessar-se, sendo que ainda hoje não se sabe quem foi responsável pela contratação de Jurásek.       

Mas vamos falar de futebol. Se Aursnes for o escolhido para a ala esquerda (ou, imagine-se, João Mário), sabendo-se que tenderá a reforçar o ‘miolo’, privilegiando o jogo interior, o lateral deverá ter condições para chegar à linha de fundo, fazendo a ala, à imagem de Grimaldo. Contratar um jogador que não tenha estas características (como foi o caso de Jurásek, ou aconteceu com a adaptação canhestra de Morato) só pode resultar em asneira. Aguarde-se pelo reforço anunciado e também pela evolução de Carreras…

Ainda falando de futebol, agora com maior profundidade, e entrando já no âmago da estratégia e do modelo: o que quer Roger Schmidt? Na primeira época de águia ao peito, o técnico alemão foi perfeitamente explícito: apostou num futebol moderno, feito de pressão alta, onde todos trabalhavam por igual no momento de recuperação da bola, e a partir daí, com o adversário desequilibrado, criava superioridade numérica que materializava em golos. Graças a esta forma de jogar, em que todos colaboravam por igual, foi capaz de sobreviver à perda do melhor jogador, Enzo Fernández, e além de vencer a Liga, realizou uma excelente campanha europeia. Mas na época seguinte, as mudanças foram muitas, e para pior, e é a partir dos erros cometidos que Schmidt deve aprender a esquematizar 2024/25. E quais foram esses erros? À partida três, crassos, imperdoáveis, de palmatória:

1)   – Quando saiu Gonçalo Ramos para o PSG, o Benfica perdeu o primeiro defensor, e hipotecou a possibilidade de executar a pressão alta que lhe permitia roubar a bola ao adversário e atacar a seguir em superioridade numérica. Por isso, passou a ser mais fraco, quer a defender, quer a atacar, porque escolheu para substituir Ramos um ótimo futebolista, Arthur Cabral, mas talhado para outro futebol. Enfim, um erro de casting.

2)  A partida de Grimaldo, que fazia as despesas do ataque no flanco esquerdo e se ocupava da maior parte das bolas paradas, foi um tiro no pé  que o Benfica deu e nunca foi capaz de emendar. Provavelmente, ao longo da temporada de 2023/24, a ala esquerda foi aquela em que os encarnados se mostraram mais perdidos, especialmente o seu treinador, que chegou a apresentar duplas de profundidade zero formadas por Morato e João Mário, que colocavam a equipa, como dizem os brasileiros ‘ferida de asa’. Com este contexto, o equilíbrio esquerda-direita perdeu-se, e o Benfica passou a ser, a maior parte das vezes, uma equipa condenada a afunilar o jogo contra equipas com a zona central densamente povoada, o que explica os pontos perdidos em casa contras conjuntos do último terço da tabela. Esta realidade, vista já em Roger Schmidt quando ao serviço do PSV, nomeadamente quando teve de jogar contra um Benfica de Jesus com dez jogadores apenas (expulsão de Lucas Veríssimo) e não foi capaz de penetrar a muralha encarnada, repetiu-se amiúde na época passada.

3)  A chegada de Di María desequilibrou o resto. De uma penada, o Benfica deixou de atacar pela esquerda com a saída de Grimaldo, e deixou de defender pela direita com a inclusão de Di María. E em relação ao argentino, que não subsistam dúvidas, El Fideo foi o melhor jogador do Benfica com a bola no pé, fez coisas maravilhosas e revelou-se de uma entrega total. Porém, para trás, por mais que quisesse, e quis, já não podia. Seja como for, independentemente de se achar maior ou menor utilidade na presença do argentino na equipa do Benfica, a verdade é que com ele as coisas mudaram muito…

E em 2024/25, como será? Parece claro que Roger Schmidt precisa de regressar às origens, exigir pressão alta, equipa subida e pouco espaço entre setores, usar Pavlidis, que sabe fazê-lo, como usava Gonçalo Ramos, dar a direita um Neres que seja coletivo e se complemente com Bah, ou em alternativa a um Schjelderup que cresceu tanto que foi chamado à Seleção A  da Noruega, que tenha em Leandro Barreiro, mais consistente do que Florentino, o par ideal para João Neves, e que se mantenha atento em relação à condição psicológica de António Silva e à condição física de Nico Otamendi, cuja presença nos Jogos Olímpicos de Paris não augura nada de bom para o Benfica.

Esta é a situação a 11 de julho, que pode ser alterada e desmentida pelos ditames do mercado, que não deixará de produzir consequências até ao derradeiro segundo. Para já, uma verdade parece insofismável: o Benfica foi pior de uma época para a outra porque se deixou desequilibrar, apostando em individualidades que por mais que brilhassem nunca acrescentaram ao coletivo. O segredo para 2024/25 estará em devolver o comboio aos carris, colocando o foco na equipa, porque, como se viu em 2023/24, no futebol ninguém ganha nada sozinho.

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