A noite mágica de Osvaldo Silva
Osvaldo Silva comemora o seu segundo golo, numa noite memorável para o brasileiro (Foto A BOLA)

As memórias de.... Vítor Cândido: A noite mágica de Osvaldo Silva

OPINIÃO20.06.202412:00

Muitos foram para ver em ação o Manchester United dos famosos diabos vermelhos. Mas viram o Sporting

Uma das maiores proezas do futebol do Sporting aconteceu há 60 anos. Foi no dia 18 de Março de 1964. O Sporting eliminou o poderoso Manchester United, infligindo-lhe copiosa derrota, por 5-0, no Estádio José Alvalade. Depois de ter perdido por 1-4, em Old Trafford, ninguém acreditava que a reviravolta fosse possível. Aliás, o Man. United era o principal favorito a conquistar a Taça dos Vencedores das Taças, da Europa. Naquela noite, o estádio estava a abarrotar de gente (60 mil espectadores, mil contos de receita).

Muitos foram para ver em ação o poderoso Man. United, dos famosos diabos vermelhos. Mas acabaram por ver o surpreendente Sporting. Numa atuação memorável. Com um resultado histórico. Na verdade, eu fui para ver Dennis Law, o avançado escocês, considerado o melhor jogador da Europa, e vi o genial Osvaldo Silva, a maior estrela daquela noite mágica, com três golos e uma exibição excecional. O génio do Fu Manchu, alcunha deste maravilhoso futebolista brasileiro, levou-o a fazer dois golos nos primeiros 12 minutos. Pôs as bancadas em delírio. Já só faltava um golo para empatar uma eliminatória que se julgava perdida. Ainda no primeiro tempo, houve um golo anulado a Mascarenhas. Ao intervalo 2-0 e uma ansiedade tremenda. Será que os ingleses vão impor as suas credenciais? Qual quê! Os leões entraram a todo o gás e, logo no início da segunda parte fizeram o terceiro golo, por Geo (47 minutos). E logo depois o 4-0, por Morais (52 m). E ainda o 5-0, pelo endiabrado Osvaldo Silva (54 m) na execução fantástica de um livre direto, de muito longe, ao ângulo da baliza. Um golão! De levantar o estádio! Ou seja, fizeram mais três golos em apenas sete minutos.

Foi a loucura total. «Mas o que é isto?», dizíamos, estupefactos. Coisa incrível. Ainda estávamos a festejar um e já estava a entrar outro. Ninguém faz ideia da euforia e da felicidade que sentimos. Só quem lá esteve. Nessa noite histórica eu estava na bancada sul. A dos sportinguistas mais acérrimos. Completamente cheia. E tudo a vibrar. Que ambiente, que fervor, que festa. Tudo em comunhão. Os diabos vermelhos pareciam desnorteados. Uma equipa que tinha no ataque três Bolas de Ouro: Dennis Law (1964); Bobby Charlton (1966); e George Best (1968). Quem diria? A perderem por 5-0 e ainda faltava mais de meia hora.

O ‘fair-play’ de Matt Busby

 O Sporting, que antes já havia surpreendido o mundo do futebol com o resultado impensável (16-1) ao APOEL (de Chipre), passou a ser mais falado e conhecido por toda a Europa, depois desta incrível goleada ao poderoso clube inglês.

No final do jogo, mal o árbitro apitou, o público invadiu o relvado para festejar com os jogadores e para levarem os equipamentos de recordação. Rezam as crónicas que Matt Busby, o lendário treinador do Man. United, com o fair-play britânico, foi ao balneário do Sporting cumprimentar e felicitar os jogadores, um a um, pela retumbante vitória, afirmando-lhes: «Se jogarem sempre assim, vão ganhar a Taça das Taças». E assim aconteceu. Nas meias-finais o Sporting eliminou o Olympique Lyon (França) e na final derrotou o MTK (Hungria), conquistando, assim, o único troféu europeu (UEFA) da história do seu futebol. Se excetuarmos, naturalmente, a conquista (em 1968) da Taça Intertoto (torneio internacional adotado pela UEFA, no intuito de promover receitas para os clubes no final da temporada).

Anselmo Fernandez, o orientador-técnico

 Curiosamente, nesta eliminatória, com o Man. United, a equipa do Sporting foi dirigida por dois treinadores: o brasileiro Gentil Cardoso, que esteve na derrota (1-4) em Old Trafford e, dias depois, no empate, em casa, com o Olhanense (1-1), sendo então substituído pelo arquiteto Anselmo Fernandez, homem da casa, sportinguista, arquiteto de profissão e um apaixonado pelo futebol. Tomou conta da equipa como orientador técnico. Para treinador de campo foi contratado o argentino Francisco Reboredo (um homem ligado ao FC Porto). E o professor Reis Pinto passou a ser o preparador-físico. O arquiteto era um estudioso do futebol, com ideias avançadas. Como inovação, levou os jogadores para a sede do clube, na Rua do Passadiço, para visionarem imagens (em filme) que ele tinha conseguido, do jogo do adversário. Quem eram os jogadores e como jogavam… Afinal, uma prática bem atual. E foi com seus métodos e procedimentos que Anselmo Fernandez levou a equipa à conquista da Taça dos Vencedores das Taças.

Já passaram 60 anos…

Para este desafio, os britânicos vieram três dias para o Estoril, tipo férias, para apanhar o sol português, na piscina, na praia e no golfe… Estariam convencidos que uma diferença de três golos era canja, dava para passar. E muita gente foi a Alvalade para ver o Man. United e as suas vedetas. Mas afinal viram o Sporting a jogar como nunca. Por acaso, na época seguinte, o Man. United voltou a Lisboa. Desta feita para defrontar o Benfica (de Eusébio), no Estádio da Luz (com 75 mil nas bancadas). Precavido do que antes lhe acontecera com o Sporting, entrou de rompante e ao quarto de hora já vencia por 3-0, num jogo que terminou em goleada (5-1). Desta vez a seu favor.

O tempo voa! Já passaram 60 anos desta noite memorável, com resultado histórico: a maior derrota do Manchester United nas competições europeias. Aconteceu no Estádio José Alvalade. Perante o Sporting. Aqui registamos o onze que conseguiu tamanha façanha: Joaquim Carvalho; Pedro Gomes, Alexandre Batista, José Carlos e Hilário; Fernando Mendes (cap.) e Geo; Ernesto Figueiredo, Osvaldo Silva, Mascarenhas e João Morais. Para a eternidade!

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