A mão pesada da Federação Inglesa de Futebol
O poder da palavra é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, ex-árbitro
Em decisão divulgada recentemente, a Federação Inglesa de Futebol (FA) decidiu multar em 750.000 libras (quase €900 mil) o Nottingham Forest, devido a tweet publicado pelo clube a propósito de uma arbitragem da temporada passada.
Nessa nota os trees sugeriam que o internacional Stuart Atwell, então nas funções de vídeo árbitro, tinha sido parcial na sua atuação por ser adepto do Luton, clube com quem lutavam pela manutenção.
Apesar da conhecida tolerância zero da FA nestas situações, a sanção aplicada foi particularmente pesada, não deixando de reforçar mensagem importante para o clube e demais competidores: a de que todos os envolvidos na indústria têm obrigação de respeitar a autoridade dos árbitros e proteger a imagem e integridade da prova. Nenhum clube, técnico, jogador ou dirigente deve ultrapassar a linha que separa direito à crítica de ataque à honra de qualquer agente desportivo. Em última instância, o que a medida quis realmente demonstrar foi que os principais interessados em defender o seu produto não podem ser os primeiros a (tentar) destruí-lo.
As coimas pecuniárias, tal como as suspensões desportivas, perda de pontos ou repreensões escritas, acontecem à posteriori, ou seja, após o ilícito ser cometido. Sabemos que o futebol, sobretudo o de alta competição, desperta paixões e movimenta milhões. Isso torna-o mais propício a atitudes irrefletidas, desabafos inadequados e momentos infelizes. Mas é fundamental que todos os que tiveram mérito em conquistar o seu lugar nessa montra, estejam cientes do peso e influência que cada opinião pode ter junto dos milhares de fãs da modalidade. Há palavras que podem ser mais letais do que balas, se disparadas em momentos mais inflamados ou contextos de risco, que façam perigar a segurança física dos alvos. Muitas vezes, basta um tweet mais agressivo ou uma flash exaltada para que se inicie o caos, que é como quem diz, para que os árbitros sejam alvo de mensagens insultuosas/ameaçadoras, perseguições e atos de vandalismo, muitas vezes extensivo às próprias familias. Nesses casos a sanção mais justa é aquela que pune quem, intencionalmente ou por negligência, acende o rastilho.
É preciso que se perceba, de uma vez por todas, que todos os profissionais que participam no jogo, erram e acertam. Todos tomam boas e más opções, têm momentos de maior qualidade e outros de grande infelicidade. Naturalmente que isso não os desresponsabiliza e, havendo consequências relevantes a retirar, elas são obrigatórias. Mas isso não pressupõe insinuações graves que belisquem a parcialidade e honestidade de terceiros. Não pode valer tudo, ainda que a sensação de injustiça seja grande e o coração se sinta traído. Todos os clubes podem e devem manifestar a sua indignação, mas em local próprio, dentro dos limites do bom senso e recorrendo a ferramentas regulamentares que o permitem. É garantido que nenhuma delas passa por potenciar ofensas ao homem que arbitra ou à reputação da pessoa que decide. A liberdade de expressão tem limites e geralmente termina quando afeta a dos outros.
Naturalmente que na Premier League, dada a dimensão financeira dos clubes e valores que envolve, estas sanções são quase normais. Na realidade nacional, com números e alcance incomparavelmente diferentes, este valor seria absurdo. Essa é outra das questões que uma sanção disciplinar adequada deve pressupor: proporcionalidade e justiça. É também por isso que todos devem continuar a trabalhar no sentido de construir regulamentação cada vez mais transparente e objetiva, que não deixe dúvidas sobre o que está em análise, a cada momento.
Nada disto invalida a importância do antes. As ações de sensibilização e a implementação de medidas educativas continuam a ser determinantes para evitar que pessoas boas e instituições de bem incorram recorrentemente neste tipo de armadilhas.