Carlos Lopes e Rosa Mota serão os últimos herdeiros de tempos em que as proezas individuais ganhavam foros de idolatria absoluta
Carlos Lopes e Rosa Mota serão os últimos herdeiros de tempos em que as proezas individuais ganhavam foros de idolatria absoluta (Foto: Miguel Nunes)

A herança olímpica

OPINIÃO15.03.202511:00

'Livre e Direto' é o espaço de opinião semanal do jornalista Rui Almeida

Nunca será a mesma coisa. Pierre de Coubertin, visionário e empreendedor, pensou os Jogos como elemento agregador, projetando méritos desportivos únicos e a sua projeção para a sociedade, como elemento que definia a qualidade individual perante a superação.

Rapidamente a Olimpíada proporcionou condições para a progressão e a elevação, sempre, porém, com a condicionante do espaço e do tempo, na exata medida de que a cada país corresponderia a capacidade de ultrapassar dificuldades para atingir objetivos.

Foram sempre assim os ciclos olímpicos, mais ou menos adaptados à geopolítica mundial, aos seus contornos e ao envolvimento de cada país, de cada governo, à perspetiva de rendimento que se impunha, independentemente de sempre se aceitar — pelo menos na teoria — que o movimento olímpico tinha outras e bem mais louváveis causas, a que corresponderiam consequências globais positivas, agregadoras e motivadoras para toda a comunidade.

Em Portugal sempre se apontou aos Jogos Olímpicos como a uma fase importante, decisiva até, do desenvolvimento dos atletas e das modalidades, mas igualmente como elemento bandeira da gestão política, tentando juntar ao mérito desportivo uma componente de ação e decisão que nem sempre, em boa verdade, correspondia às efetivas intenções (e sobretudo ações), da privilegiada classe dos gabinetes e do poder decisório.

José Manuel Constantino foi, nos últimos largos anos, o rosto português do olimpismo, a face mais evidente e dedicada de um movimento que terá, sempre, de corresponder à evolução estrutural do desporto do país mas, também, aos exemplos e aos anseios de uma população tantas vezes desagregada e mitigada de situações de boa vertigem coletiva.

Carlos Lopes e Rosa Mota serão os últimos herdeiros de tempos em que as proezas individuais ganhavam foros de idolatria absoluta, não porque exagerada, mas porque resultante de uma natural necessidade de referenciais de vida e de conquista que Lopes e Rosa acabavam por corporizar do melhor modo.

Olhemos para o futuro com a mesma perspetiva, a de criar ídolos e referências, mas também com a vontade de perceber os ideais de Coubertin à luz de um novo mundo. Juntemos a facilidade da propagação da informação ao escrutínio cada vez mais rigoroso dos atletas, do cumprimento das duas premissas de ética e dignidade, da necessidade de um desporto mais limpo, democrático e uniforme.

E façamos disso a receita ideal para cada quatro anos de ciclo olímpico, em que deixamos de olhar para a conquista de medalhas como objetivo essencial, e passamos a considerar participações (no sentido amplo), dinamização e massificação, incremento de políticas desportivas transversais a todos os setores da sociedade, capacidade de inclusão e aglutinação, como elementos também nucleares do espírito olímpico e do seu exemplo para a sociedade em que nos inserimos.

Aqui chegados, encontramos o movimento olímpico português dividido (ou reencontrado…) em dois candidatos à presidência do Comité Olímpico de Portugal. Depois de Artur Lopes (um médico e extraordinário dirigente que conheci, há muito anos, na Federação Portuguesa de Ciclismo) ter assumido a transição que resultou do trágico desaparecimento físico de José Manuel Constantino, eis que Laurentino Dias e Fernando Gomes são protagonistas de uma peleja eleitoral muito digna, à altura das suas personalidades como elementos distintivos do desporto em Portugal, cada qual à sua medida e no exercício das suas funções.

Conheço bem um, nunca privei com o outro. Estou absolutamente seguro de que ambos pretendem aglutinar, congregar e conquistar.

Aglutinar energias, condições estruturais (algumas de que o país ainda não dispõe). Fazer disso cavalo de batalha, de modo transversal e sobretudo impactante nas modalidades em vias de desenvolvimento e plena despistagem de talentos individuais e coletivos. Conceder a cada federação possibilidade de, autodeterminando-se, poder integrar um universo amplo, com quadros de apoio bem definidos e generosamente avançados, para se sentir liberta nos seus planos quadrienais de desenvolvimento estrutural, funcional e desportivo.

Congregar ideias, perspetivas de desenvolvimento, talento e massa cinzenta, vontades e disponibilidades, no sentido de que, a cada ciclo olímpico e ao seu epílogo, corresponda o melhor que o desporto português tem para oferecer, não apenas nos resultados práticos e tangíveis, mas na criação de uma base segura de conhecimento, investigação e aplicação.

Conquistar o coração de todos. Atletas, dirigentes, estruturas, jornalistas, público. O coração que bate e faz respirar em português de todo o mundo, numa visão global da portugalidade e numa intransigente defesa de valores éticos, de dignidade desportiva e de complementaridade solidária com todos os portugueses falantes, tentando o equilíbrio nas condições para a prática desportiva não apenas no território português, mas junto de quem fala a língua, de quem necessita de know-how e de quem, afinal, tem esperança numa corrente única como a língua que une 300 milhões pelo mundo.

Esta ideia transversal, global, integrada e integrante, cooperativa, colaborante, motivadora e desafiadora, fará Laurentino Dias ou Fernando Gomes ganhar a medalha mais importante: o ouro de uma herança que se espalha pelo mundo inteiro, solidária e intransmissível.

Cartão branco

Catorze jogos depois, a derrota. É certo que por números inequívocos, mas não é menos certo que a demonstrar grande capacidade de sacrifício e qualidade futebolística, um pouco por toda a Europa. O Vitória Sport Clube ainda ganha noutro tabuleiro: a extraordinária massa adepta, que o acompanha por qualquer parte em clima de festa, e que faz com que a equipa esteja a jogar em casa, em qualquer situação. Por último, o treinador mais recente. Luís Freire, um senhor no discurso e na ação. Termine como terminar na Liga portuguesa, esta é já uma temporada de grande sucesso para o emblema de Guimarães.

Cartão amarelo

Foi até ao limite a eliminatória da Liga dos Campeões entre Atlético de Madrid e Real Madrid. Decidida nos pontapés da marca de penálti, pendeu para os merengues, equipa que parece ter uma estrelinha universal de proteção na máxima competição da UEFA para clubes. Porém, é tão importante saber perder como saber ganhar, e algumas das vedetas do Real parecem ainda não o ter compreendido. As reações de Vinícius Jr., de Jude Bellingham e até de Antonio Rudiger à vitória não estiveram à altura do prestígio e da grandeza do Real Madrid.