A herança dos nossos governantes
Miguel Nunes/ASF

Opinião A herança dos nossos governantes

OPINIÃO14.10.202319:14

Precisam-se governantes preocupados com os outros e capazes de comunicarem com o País

Em 2009, escrevi o seguinte no livro de minha autoria O Treinador e a Política (Booknomics, 2009): «Para além dos bons ou maus resultados que os governantes em exercício venham a alcançar, pertence-lhes também deixar ao país uma herança positiva, em termos do exemplo que devem representar para todos nós.  Uma das suas maiores responsabilidades tem a ver com a necessidade de assumirem o enorme impacto que as suas ações têm na vida do mais comum dos cidadãos. Um governante precisa medir com cuidado o que diz, faz e como faz. Tem ainda de avaliar o impacto que está a ter naqueles a quem se dirige e se as suas ações são coerentes com as regras que vai estabelecendo para a nossa vida coletiva. Pertence a um ministro determinar se os seus comportamentos inspiram os cidadãos para que evidenciem atitudes e comportamentos exemplares. Ou se, pelo contrário, lhes diminuem a capacidade de iniciativa e o entusiasmo que requerem para cumprir as regras de vida coletiva vigentes. Os governantes devem ter como meta influenciar-nos através dos seus comportamentos, ajustando-os o mais possível à Missão, Visão, Princípios e Valores que pretendem ver defendidos pelo mais comum dos cidadãos. Nunca esquecendo o que nos diz Ken Blanchard no seu livro Um nível superior de Liderança a propósito da crise de Cultura e Valores que atualmente se verifica um pouco por todo o lado: ‘A cultura é o contexto no qual existem todas as práticas, é a personalidade de uma Organização’. E consiste nos Valores, Atitudes, Convicções, Comportamentos e Práticas apresentados pelos elementos dessa organização. Quem dirige um país requer assim ver a sua autoridade reconhecida como o farol que nos aponta o caminho para um futuro melhor e o helicóptero que tão depressa levanta voo e se afasta para ver melhor a nação como um todo, como em seguida aterra e, lado a lado com cada um de nós, ajuda no que for preciso. Tem de respeitar a lei e as regras de vida coletiva, segundo princípios éticos e íntegros, verdadeiramente modelares. E a eficácia de um governo fica em determinados momentos extremamente dependente da forma como gere, posteriormente, as consequências dos seus comportamentos.» 

Hoje e perante tudo aquilo a que vamos assistindo, reforço a necessidade de os nossos governantes se preocuparem com a herança que nos vão deixando. Nomeadamente, com o cuidado de deixarem ficar claro para todos nós que cumprem com a necessidade de a sua atividade positiva ou negativa ter sempre as devidas consequências. Como aliás também já o disse em 2009 no livro atrás referido: «Reconhecer e distinguir quem cumpre as regras, ou punir ou corrigir atos que contrariam o que a lei determina, são por assim dizer as traves mestras de tudo o que respeita a uma possível melhoria contínua dos comportamentos sociais desejados. E consoante uma ou outra hipótese, é fundamental marcar uma diferença clara no modo como reage quem governa. Aos governantes pertence-lhes garantir que aqueles que dirigem sintam, a cada momento, que a lei é para se cumprir. Um comportamento determinado, nem é bom, nem é mau, estando profundamente dependente das regras vigentes e dos valores que se pretendem defender. Se não existem valores, nem regras a cumprir, se vale tudo, obviamente, qualquer comportamento serve. Mas esse não é o nosso caso. Existem leis e todos, sem exceção, as devemos cumprir, sob pena de algo de mau nos poder acontecer.  Ninguém está acima da lei e dos governantes só devemos esperar bons exemplos. Ser governante nos dias de hoje, exige bem mais ser eficaz, que eficiente! Mais do que fazer bem, segundo o que está estipulado previamente, é fundamental fazer bem consoante as circunstâncias que se lhes deparam a cada momento. Há quem diga que a um governante basta ser profundamente conhecedor e possuir experiência de intervenção na área social e profissional que lhe pertence dirigir. Será só isso? É óbvio que não! Tem de dominar, em profundidade, tudo o que à comunicação com os outros diga respeito. Quem governa pode ser experiente e saber muito, mas se não comunica e transmite àqueles a quem se dirige na proporção do que sabe, será óbvio que o País jamais receberá em condições as suas mensagens. A aderência dos cidadãos às teses dos governantes, depende, acima de tudo, das suas mensagens corresponderem, ou não, aos mais profundos desejos e necessidades da população. Sempre que se trate de divulgar as respetivas medidas executivas, exige-se a cada ministro a demonstração de uma clara preocupação com aquilo que nos aflige e o respeito por determinadas regras comunicacionais. Precisam-se governantes preocupados com os outros e capazes de comunicarem com o País, respeitando duas verdades insofismáveis. ‘Se tu disseste e eles não te ouviram, foi porque tu não disseste’, Harvey Thomas. ‘Se a palavra que vais dizer não é mais bela que o silêncio, cala-te’, Marc de Smet, referindo um conhecido provérbio oriental. O simples facto de terem dito não é suficiente! Também se comunica muitas vezes, sabendo ouvir! Impõe-se que tenham a certeza que aquilo que dizem, foi entendido tal como pretendiam! Devem ouvir, como forma de melhor comunicarem! E principalmente requerem perceber que é fundamental respeitar regras de comunicação hoje perfeitamente trabalhadas e reconhecidas pela eficácia que revelam. Uma refere-se ao que Malcolm Gladwell designa no seu livro A Chave do Sucesso como o Factor de Aderência: ‘O Factor de Aderência indica que há maneiras específicas de tornar uma mensagem memorável; há mudanças relativamente simples na apresentação e estruturação da informação que fazem uma grande diferença no impacto que criam’. Outra, que o mesmo autor define como a necessidade de quem quer comunicar com impacto necessita de ‘ter uma personalidade convincente capaz de levar os outros a adotarem o seu próprio ritmo e de ditar os termos da interação a ser estabelecida. Capazes de serem emocionalmente contagiantes e de infetarem com as suas mensagens aqueles que os rodeiam’. Diria que, estranhamente, os nossos governantes revelam um preocupante desconhecimento de tudo o que se refere à resposta já hoje perfeitamente clara à pergunta que motivou o livro atrás referido da autoria de Malcolm Gladwell: ‘Porque é que determinadas mensagens dão origem a verdadeiras epidemias e outras não?’ Tão simples e ao mesmo tempo, pelos vistos tão difícil: ‘Para o conseguirmos, as mensagens devem espalhar-se como uma epidemia, através de slogans que provoquem a aderência daqueles a quem se dirigem, componente essencial para que provoquem um ponto de viragem na opinião pública. Trata-se de conseguir que as pessoas parem, escutem e se lembrem posteriormente dessas mensagens’. Em síntese, as mensagens governamentais a promover junto da opinião pública precisam, por via do seu conteúdo e significado, ter impacto quanto baste para provocarem a aderência dos cidadãos e corresponderem às necessárias respostas aos seus problemas. Tem a palavra o Governo da Nação!»

Permitam-me que passados quase 15 anos após ter escrito estas palavras, confesse o meu desgosto por nos dias de hoje tudo parecer estar na mesma, senão pior! E, já agora, que conclua que pertence naturalmente a qualquer governante do meu país tomar decisões. Principalmente que o faça sem nunca esquecer que se intervém de modo injusto, egoísta ou sem sentido aparente face às regras coletivas previamente estabelecidas, se arriscam a estar a fazê-lo contra os interesses coletivos. Mesmo em casos em que essas decisões tomadas sejam disciplinarmente duras, se forem coerentes com tudo aquilo que esteja definido ao nível das regras fundamentais que regem a vida coletiva, podem os governantes deste nosso país ter a certeza de que os cidadãos nacionais serão os primeiros a aceitar tal decisão.

Já o mesmo não direi, sempre que tomem decisões incoerentes com o que já disseram ou defenderam anteriormente, ou pura e simplesmente o façam para branquear falhas suas. Uma tomada de decisão de um governante necessita ser assumida com um passado e um futuro bem definidos. Deve integrar tudo aquilo que do passado possa ajudar a ser uma decisão justa e coerente, bem como antecipar ao serviço de que estará essa decisão no futuro próximo.

Ministros inclusive, somos todos seres sociais cuja empatia permite incrementar uma fundamental partilha emocional. Principalmente quando nos olhamos nos olhos e damos a atenção devida aos que nos rodeiam. Um debate constante entre o Eu e o Todo e entre Nós e os Outros, cujo impacto emocional, (positivo ou negativo) exige uma fundamental aprendizagem e treino das nossas emoções e sentimentos, com enorme influência no modo como interagimos e nos relacionamos com aqueles que nos rodeiam.