A guerrilha contra Villas-Boas
André Villas-Boas (X/FC Porto)

A guerrilha contra Villas-Boas

Frederico Varandas já transformou as Tormentas em Boa Esperança, Villas-Boas ainda tem à perna uma guerrilha organizada, que assobia no Dragão e suja paredes fora dele…

Comecemos por relembrar alguns factos, ocorridos nos últimos dias de abril deste ano, na cidade Invicta, durante as eleições para os órgãos sociais do FC Porto:

Apresentaram-se para votar 26.876 sócios, setenta por cento dos associados portistas com capacidade eleitoral (suplantando por esmagamento a ida às urnas mais significativa, a de 1988, quando votaram 10.731 sócios), que deram a vitória a André Villas-Boas por números históricos. O antigo treinador teve 21.489 votos, contra 5.224 do presidente cessante, Pinto da Costa, ‘grosso modo’, um triunfo por 80/20, que deixou perfeitamente claro qual o estado de alma e a vontade da nação azul-e-branca.

Com a chegada de Villas-Boas ao poder, cortando com 42 anos de ‘pintismo’, chegaram também promessas de novas práticas, de transparência, de uma auditoria forense alargada, do fim de privilégios e benesses a determinados lóbis, e concretizaram-se mudanças, consubstanciadas em trocas de protagonistas em diversos setores do clube.

De imediato, foi percetível o nervosismo de uns e a determinação de outros, os primeiros preocupados com o que o futuro lhes podia trazer pelo que tinham feito no passado, os segundos prontos a cortar a direito, quiçá ainda espicaçados pelas tropelias cometidas contra eles durante a campanha eleitoral.

Enquanto, no que respeita ao conhecimento profundo do estado do clube, a procissão ainda vai no adro, e a equipa de Villas-Boas se preocupou, sobretudo, em criar condições para fechar um plantel minimamente competitivo e não cair na alçada do ‘fair-play’ financeiro da UEFA, do outro lado, mal digerida a derrota por goleada, passou-se do silêncio inicial às investidas cirúrgicas, em forma de entrevistas, cada vez que havia a presunção de que as coisas podiam correr mal, do ponto de vista desportivo, ao FC Porto.

CAPITALIZAR FRAGILIDADES

E foi a pensar nas fragilidades que podem ser sempre capitalizadas num clube de futebol quando as vitórias não aparecem, que surgiu um primeiro ataque, que quis ser assassino de caráter, a Vítor Bruno. Como seriam as coisas se, em Aveiro, o Sporting tem chegado a 4-0 (e isso pôde acontecer…) antes de Debast ter falhado e oferecido o 1-3 a Galeno, que abriu ao FC Porto as portas do paraíso? O circo estava montado, só não contava com uma equipa de Vítor Bruno que não estava para palhaçadas.

De então para cá, com especial ênfase na partida com o SC Braga - embora antes já se tivessem feito notar, procurando criar um mau clima à sua própria equipa (?) em momentos particularmente delicados – têm-se ouvido assobios e vaias recorrentes, que à primeira vista podem não ter explicação, mas têm, e de que maneira.

A questão é que estamos a assistir no FC Porto um fenómeno muito semelhante ao que foi visto em Alvalade depois da queda de Bruno de Carvalho, quando uma minoria militante perdeu os privilégios a que estava habituada e, instigada por outros deserdados da sorte, tentou por todos os meios boicotar Frederico Varandas, a quem valeram, sobretudo, além da determinação própria, a lealdade ao sportinguismo de João Benedito, e as Taças conquistadas por Marcel Keizer, numa primeira fase, e o efeito Bruno Amorim, a seguir. Mas que, apesar de hiperminoritários, tentaram desestabilizar, tentaram. Ora, no FC Porto, através dos assobios no estádio e das pichagens, fora dele, o que está a ser tentada é a criação de um clima que torne mais difícil o caminho que Villas-Boas está a percorrer.

OS NÚMEROS, ESSES CHATOS

Mas os números são tramados, por mais que nos queiram atirar poeira para os olhos, lá estão eles a dizer de sua justiça, que no caso do FC Porto deste início de época (preparada com os meios possíveis, que Villas-Boas tem obrigação de trazer a público quando for apresentada a auditoria) são traduzidos desta maneira, quando comparados com a temporada passada, sob a batuta de Sérgio Conceição e a presidência de Pinto da Costa.

Na I Liga, no Dragão, o FC Porto de Vítor Bruno, contra SC Braga, Arouca, Farense, Rio Ave e Gil Vicente, soma o máximo de pontos, 15, marcou 13 golos e sofreu 2. Na época de 2023/24, sob orientação de Sérgio Conceição, no mesmo estádio e contra os mesmos adversários o FC Porto tinha conseguido 11 pontos, marcado 7 golos e sofrido 3.

Mas há mais, e se calhar mais relevante, porque revela, de forma exponencial, como os assobios (legítimos noutros contextos, o país é livre, os sócios são soberanos e o direito à crítica não é criticável) estão em contraciclo com o estado de alma dos portistas.

Na época passada, os jogos acima referidos foram presenciados, no estádio do Dragão, por 212.994 espetadores. Na corrente temporada, as mesmas partidas levaram ao anfiteatro portista 229.954 adeptos do futebol, mais 16.960 que há um ano, o que dá um aumento médio por jogo de 3.398 espetadores.

A GUERRILHA

Diz-se que contra factos não há argumentos. Mas no futebol também é sabido – e Pimenta Machado teve a coragem de verbalizá-lo, um dia – que o que hoje é verdade amanhã é mentira. Daí que, embora esteja perfeitamente claro que existe uma quinta coluna no FC Porto, como existiu no Sporting (para não dizer que existe, e nesta altura está estrategicamente adormecida) ligada ao poder anterior, que pretende minar o trabalho que está a ser realizado por André Villas-Boas (Frederico Varandas já transformou o Cabo das Tormentas em Cabo da Boa Esperança), nada nos diz que este trabalho de sapa não vai continuar, na esperança de que as regalias do passado sejam devolvidas a alguns lóbis, ou que algumas responsabilidades sejam varridas para de baixo do tapete. É por tudo isto que a Direção portista nunca deverá baixar a guarda ou desvalorizar estes ataques ‘de guerrilha’, porque sabe qual a proveniência, sabe qual a razão, mas também deve saber que haverá poucas coisas mais fáceis no futebol do que capitalizar o descontentamento, mesmo que este seja pontual. Nesta altura, fica claro que nem apesar dos 80/20, nem apesar da Supertaça, nem apesar do bom arranque de época, o trabalho de minagem continua a ser feito, aproveitando até as ocasiões que o não são, como foi o caso do jogo com o SC Braga. Conclusão? André Villas-Boas precisa, especialmente neste primeiro ano de mandato, de solidificar a sua posição de presidente, através de um contacto pessoal constante com as bases. Quanto mais o fizer, mais isolará a quinta coluna, e mais preparará o clube para ultrapassar os obstáculos e os dias menos bons que tocam a todos.