A era de Rúben, o ‘príncipe perfeito’ do Sporting
Para quase todos os comentadores, jornais e páginas desportivas, o ano que acabou foi o ano de Sporting e de Rúben Amorim. Eu, mais otimista, acho que foi o princípio de uma era
Areflexão de Vítor Serpa sobre a eleição, por A BOLA, do treinador do Sporting como Homem do Ano, é interessante. Percebe-se que o jornal recebeu cartas discordando da escolha, preferindo esse grande atleta e medalhado de ouro nas Olimpíadas, que é Pedro Pablo Pichardo. Naturalmente, e como salienta o diretor do jornal, é muito difícil comparar Triplo Salto com direção técnica ou treinador de uma equipa profissional de futebol. Pichardo e Amorim só poderiam mesmo competir numa eleição como esta: qual a figura do ano?
Pichardo é fenomenal e sucede a essoutro fenómeno que é Nelson Évora. Ninguém pode omitir que também pode haver, na preferência de Pichardo ou de Amorim, razões clubísticas. Apesar de serem ambos benfiquistas, são-no de forma diferente: Rúben, natural de Lisboa, é-o de forma natural e inexplicável, como eu sou do Sporting e outros do Porto ou do Braga. Nasceu assim, digamos, e fez o essencial da sua carreira como futebolista na equipa das águias. Mas ao tornar-se treinador profissional e ao chegar como chegou ao Sporting, passou a ser verde, mais verde que o verde, o primeiro a desejar as vitórias do clube.
Já Pedro Pablo Pichardo nasceu em Santiago de Cuba e fez a sua carreira naquele país. Aliás, no início de maio de 2018 ainda venceu uma competição, em Doha, como representante de Cuba, mas em julho já representava Portugal, em Lausanne. O processo de naturalização do atleta percorreu os trâmites legais, que se saiba, e é normal que, tendo sido bem acolhido no Benfica, seja hoje um benfiquista de coração, feliz por dar triunfos e medalhas ao clube que escolheu. Nesse aspeto é um espelho de Amorim, pois creio que Pedro Pablo Pichardo deve ter, igualmente, o clube da cidade onde nasceu no coração; quem sabe se o Fútbol Club de Santiago de Cuba, que venceu por três vezes o campeonato do país, justamente em 2017, 2018 e 2019.
Porém, com todo o respeito e o desejo de Bom Ano e de sucessos para Pichardo, entendo que a escolha de Amorim foi a melhor.
Rúben Amorim foi escolhido por A BOLA como Homem do Ano de 2021
ANO OU ERA?
Aúnica questão que deixei já colocada é se 2021 foi o ano de Amorim, ou se, muito mais do que isso, foi o início de uma Era no Sporting, onde ele nos dará uma época de ouro; não um campeonato e umas vitórias em taças, além de brilharetes isolados (na verdade já vai no segundo ano, este até estatisticamente, e para já, melhor do que o primeiro), mas uma época em que seja o Sporting a voltar aos tempos tão longínquos em que dominava o futebol. Porque nas modalidades, embora tivéssemos alguns pontos baixos, nunca deixámos de ser o mais eclético dos clubes, com vitórias em diversos desportos muito menos populares do que o futebol.
Amorim tornou-se um príncipe, porque com o apoio de Hugo Viana e, sobretudo, de Frederico Varandas, faz depender dele, do seu estilo, da sua comunicação e da sua liderança, o sentimento de sucesso que se vive no Sporting. Na verdade, os diretores e o presidente poderiam viver descansados no seu trabalho, acaso não fossem incessantes as questões financeiras para resolver.
A comparação dos números do futebol do Sporting desde que Amorim chegou com o que existia antes da sua chegada é impressionante. Na verdade, nem dá propriamente para comparar, tal é o fosso. É bom que se diga que, ao contrário do que acontece com tantos treinadores, aqui não se tratou do dispêndio de milhões de euros em compras de jogadores. Bem pelo contrário; com humildade e pouco dinheiro; com empréstimos estrategicamente pensados, com contratações a clubes modestos e, sobretudo, com a aposta em valores que o Sporting já tinha, fosse na Academia, fosse emprestados a outros clubes, Rúben construiu uma equipa vencedora, lutadora, com vontade e garra. Sem ele, sem esta capacidade, Varandas não estaria com o à vontade que certamente sente nestas eleições de 5 de março. Claro que os seus adversários dirão que querem manter Rúben, todos os sportinguistas o querem; mas eu não tenho dúvidas que o mais seguro é manter Varandas e Hugo Viana pela velha máxima, segundo a qual «em equipa que ganha não se mexe».
E assim, caso Varandas cumpra o mandato até 2026, com oito anos de presidência; e caso o rumo continue o mesmo, com equipas construídas assim, ou melhores, porque há de haver mais dinheiro; com Rúben, caso consigamos que ele se mantenha, ou com alguém que tenha, ou se aproxime, do seu estilo, uma nova era pode ser iniciada no Sporting. E essa era, não deixando de ser de Varandas e do Conselho Diretivo é, sobretudo a era de Amorim, o príncipe perfeito do Sporting.
ELEIÇÕES
POR falar em eleições, é bom que os candidatos que se apresentarem tenham programas claros e estratégias que possam partilhar com os sócios. De Frederico Varandas conhecemos as qualidades e os defeitos (que, como todos, também os tem); dos outros, pouco ou nada sabemos. O candidato que em 2018 mais se aproximou do atual presidente, batendo-o mesmo em número de votantes, que não em número de votos, o ex-guarda-redes do nosso futsal, João Benedito, não tem manifestado (e parece-me assisado) vontade de voltar a apresentar-se. Considero-o um sócio sério, bem intencionado e com genuína vontade de ajudar o clube. Os restantes candidatos - e nada de substancial tenho contra nenhum deles - devem ter percebido que, por muito que pudessem fazer diferente, e do seu ponto de vista, melhor - têm pela frente um recandidato quase impossível de bater. Resta Nuno Sousa, que já anunciou a sua candidatura, e que tantas hipóteses tem de ter uma votação significativa como as que um elefante tem de voar. Dele já me ocupei na última crónica que aqui escrevi e não voltarei ao tema.
Porém, o facto de não haver, escassearem, ou não interessarem os adversários que Varandas possa ter pela frente, é bom não esquecer que há temas importantes no clube, independentemente do sucesso desportivo que atravessemos. Já várias vezes referi a mudança dos Estatutos, que são próprios de um clube que não dá crédito aos órgãos de controlo dos dirigentes. Ao eleger o Conselho Fiscal e Disciplinar na mesma lista que a direção, por exemplo; ao não entender que o CFD deve ser eleito por método de Hondt; ao não alterar o modo como se realizam as AG’s do clube, nomeadamente as AG’s ordinárias, permitindo que elas sejam sobretudo ordinárias, no sentido mais popular da palavra; ao não ter estruturas onde se possa debater com serenidade o futuro do clube, sem com isso minar a autoridade de quem é eleito. Enfim, uma lista que tende a ser razoavelmente grande e que seria da máxima conveniência tratar nos quatro anos que se seguem a estas eleições, com um vencedor previsivelmente decidido. Esperemos que com resultados semelhantes aos obtidos depois de 2018, quando passados os anos-brasa da contestação reunimos as condições para vencer, não só no futebol, como em tantas outras modalidades que será fastidioso repeti-lo.
JOGAR FORA
Porro — Parece que está pronto a jogar, já na sexta, nos Açores. Que assim seja, porque já me faz falta ver as arrancadas, os passes e, por vezes, os golos do homem de Don Benito.
Jesus — Anda em bolandas, pretendido por uns e por outros, ao passo que treinadores com muito menos decibéis acabam por ficar com os empregos. Só não digo que a sua estrela se apagou porque se chama Jesus e ainda não chegámos aos Reis.
Abraço — Rui Costa foi muito criticado por ter dado um abraço a Pinto da Costa. Quando o fanatismo substitui a condição de adepto dão-se coisas assim. Queriam que o presidente do Benfica, indo (e bem) para o camarote do Porto assistir ao jogo dos portistas contra o seu clube, destratasse quem o convida? Não se distingue rivalidade de má educação?
Janela — Não gosto da janela de transferências que começou agora. É uma coisa estranha, que acaba por só favorecer os clubes com mais poder económico.
A partir desta semana, Henrique Monteiro passará a escrever à quarta-feira (a começar já hoje) e António Oliveira à quinta-feira.