A divisão no Benfica começa em Rui Costa
Presidente não tem conseguido medir as consequências das suas não-decisões
O que Rui Costa nunca conseguiu foi medir bem as consequências, embora se perceba porquê. É no gabinete o reflexo do que assumia em campo: trocava o golo pela grande assistência. Era o homem que gostava de jogar solto, receber a bola e colocá-la à frente do colega isolado, cara a cara com o guarda-redes adversário, para que resolvesse. Entendia que esse último passe chegava para que todos o adorassem e, na verdade, chegou, tanto na Seleção como em Florença e nos primeiros tempos no Milan, até que o futebol começou a pedir outras coisas ao número 10. Paralelamente, talvez também por isso se tenha sentido confortável tantos anos na sombra de Luís Filipe Vieira, ao mesmo tempo que não se apercebia de que o mundo evoluía à sua volta.
Em campo, nunca se viu como Maradona, não era capaz de assumir ele a rotura, fintar o mundo inteiro e marcar. Não é, passe a repetição, um homem de roturas. Ao tornar-se sucessor de Vieira, achou que tinha de manter alta a taxa de aprovação e que esta se sobrepunha a tudo o resto. Inclusive tomar decisões difíceis, porém necessárias. Rui Costa chegou onde poucos chegaram até hoje: é o presidente do clube do coração. No entanto, nunca entendeu que uma coisa é ocupar o lugar, outra ser realmente presidente, líder empático, alguém que pode alterar positivamente o curso do futuro. Mais uma vez, essa falta de assertividade tem naturalmente consequências.
Até pelo ideal que representa, a sua responsabilidade ultrapassa as paredes de betão do Estádio da Luz. É o jogador-presidente e poderia abrir fronteiras para outros, um cenário mais do que desejável no contexto português: o jogo deve ser gerido por quem a este pertenceu, sejam jogadores, treinadores ou staff. Só que para o seu exemplo ser produtivo deveria ter quebrado com o passado, algo que se recusou liminarmente a fazer. A decisão não lhe trouxe naturalmente a frescura necessária, ao ponto de já não ser o ex-jogador, apenas o ex-vice-presidente.
O Benfica está dividido e mais do que nunca nos últimos tempos. De cima a baixo, ou seja, da liderança aos adeptos. Que Rui Costa não se iluda, ele é o principal responsável. O clube não pode andar a duas velocidades: ou avança para a modernidade com todos os gabinetes a remar para o mesmo lado, com o mesmo esforço, ou se mantém o caciquismo vigente. Não há lugar a meios-termos ou meias-decisões, ainda mais porque os rivais já ultrapassaram ou se preparam para ultrapassar encruzilhada idêntica.
A última AG foi o primeiro aviso para o presidente começar a tomar decisões. Até a questão Schmidt, isolado sem comunicação preventiva, o deixou com as mãos a arder quando lhe quis pegar, ao optar pela continuidade. É verdade que os resultados influenciaram o contexto da AG, tal como o timing de uma auditoria que seria sempre escalpelizada para lá do parágrafo de conclusão e que apenas encaixou no cinzentismo do «afinal nem está tudo mal», mas para o próprio bem Rui Costa tem de encontrar rapidamente respostas. E, se tudo tem consequências, porque não aceitar as que advêm da proatividade?