A carreira na arbitragem
Licínio foi diferenciado e não há árbitro, assistente ou dirigente que afirme o contrário
R UI LICÍNIO, árbitro assistente da primeira liga e dono de um percurso internacional ímpar, tomou a decisão de terminar a sua carreira na última jornada da Liga Bwin (fez o seu último jogo no Famalicão-Sporting).
O portuense, de 48 anos de idade, pôs assim ponto final a um trajeto desportivo imaculado, daqueles que qualquer árbitro ambiciona ter.
Estas não são palavras de circunstância, escritas diplomaticamente para elogiar um ex-colega. Esta é, acreditem, a mais pura verdade. O Rui Licínio sempre foi diferenciado e não há um único árbitro, assistente ou dirigente que afirme o contrário. Toda a sua carreira, em grande parte a acompanhar Artur Soares Dias na sua escalada até à elite europeia, foi pautada pela discrição, humildade e consistência.
O Rui é um daqueles colegas que se quer ter sempre por perto, porque tudo o que faz, faz bem. Tudo o que pensa e diz merece ser ouvido e ponderado. O seu sentido de responsabilidade, seriedade e compromisso são de excelência. É raro ver alguém assim, tão zeloso e profissional.
Como se isso não bastasse, havia a parte mais importante: ele era craque lá dentro acertava em quase todas as decisões, fazia tudo bem e tinha postura educada com todos os restantes agentes desportivos. Tenho a certeza que não haverá um treinador, jogador ou dirigente que possa sugerir o oposto.
Nessa matéria esteve ao mesmo nível que Bertino Miranda, José Cardinal ou Paulo Januário, outros nomes de vulto nessa função.
Como seu amigo (agora mais distante mas sempre tão próximo quanto ele quiser), desejo-lhe o melhor a nível pessoal e espero sinceramente que se mantenha por perto. Ainda agora saiu e já faz falta à arbitragem.
Pessoas com o seu perfil e qualidade técnica têm que ser absorvidas pela estrutura. Rapidamente. Seja de que maneira for, seja em que função for, até que se encontre algo que se adequa à sua vocação e capacidade.
A nossa classe não se pode dar ao luxo de desperdiçar um talento destes, devendo aproveitar a sua experiência e maturidade para acrescentar valor e para ajudar aqueles que continuam nestas andanças.
Convém não esquecermos que, em Portugal, existem menos de cinco mil árbitros no ativo, para uma necessidade quotidiana de cerca de dez mil. Por força dessa inferioridade, todos os fins de semana realizam-se centenas de jogos sem árbitros nomeados oficialmente (ou com menos elementos por equipa, no caso daqueles que permitem apenas um ou dois juízes por partida). Essa é uma realidade transversal, comum a todas as associações de futebol do país.
A lacuna não é de hoje nem de ontem. Existe há décadas e não parece ter fim à vista, tal a incapacidade em recrutar e manter jovens para a classe. Era importante atacar de vez este problema.
Se há investimento que se justifica no futebol, este é claramente um deles.
Na verdade, é preciso repensar todo o modelo de arbitragem de forma mais profunda, com ênfase muito especial ao que acontece lá em baixo, nos conselhos regionais de arbitragem, sobretudo a este nível, o da captação, manutenção e capacitação dos mais novos.
Importa igualmente encontrar meios para apoiar e acompanhar aqueles que, meio a medo, ousam iniciar esta carreira. Devem ter orientação, incentivo e condições para se deixarem seduzir por uma forma diferente de estar no desporto. Não faz sentido que ainda se obrigue meninas e meninos menores de idade a pagarem inscrições iniciais ou a comprarem equipamentos, apitos e cartões. Não faz sentido nenhum.
Todos têm um papel ativo a desempenhar nessa matéria. Árbitros no ativo, ex-árbitros e estruturas dirigentes.
Arbitrar é a arte de dirigir jogos. Estar na arbitragem é algo diferente, bem maior e mais nobre.
Até que tudo posso ir melhorando, fica de novo o repto: se têm mais de 14 anos e gostam de futebol/futsal, inscrevam-se. Tirem o curso na associação da vossa zona de residência. Atrevam-se. Esta é das carreiras mais nobres e gratificantes que o desporto pode oferecer. Vão por mim. Vale mesmo a pena.