Espaço Universidade Erling Haaland: Um superdotado (artigo de Manuel Sérgio, 384)
Num fugitivo apontamento pessoal, resumo o que encontrei sobre o norueguês Erling Haaland, um jovem de 22 anos, com a alta estatura de 1,93 m. , diante de quem os adeptos do Manchester City se prosternam, tantas são as vitórias que já lhe devem, um superdotado que é um misto de força física e mental. Trata-se de um futebolista, como já todos sabem, mas que tanto lhe exaltam as qualidades que já lhe vaticinam um lugar entre os eleitos desta fascinadora modalidade desportiva. Ganha, hoje, como futebolista do City, um milhão de euros semanais. De facto, no final da época passada, já tinha conseguido este feito invulgar: 52 golos, em 53 jogos! ”É o primeiro jogador de topo a marcar meia centena de golos, numa época, em 92 anos, desde que Tom “Pongo” Waring chegou aos 50 golos, pelo Aston Villa, em 1930-31. Ainda não chegou ao recorde de Dixie Dean de 63 golos pelo Everton, em 1927.28, quando Stanley Baldwin era primeiro ministro pelos Conservadores e Jorge V o monarca reinante” (revista do Expresso, de 2023/8/11).
Uma qualidade tem ele que, nestes tempos sombrios e tormentosos, vai rareando: parece ser um jovem, em permanente alegria, instintivamente “bem disposto”. Muito dado a piada pronta e desarmante, é o companheiro ideal para um almoço entre amigos, ou num encontro para aliviar o peso (brandamente agoniante) da rotina diária. Os treinos, no City, passaram a ser outros, com a sua presença, pois que, para além de ser um gracejador repentista, imita, primorosamente, a voz dos seus colegas de equipa. A sua eficácia, como rematador imparável, valeu-lhe o cognome de “O Exterminador”. Mas ao Haaland pouco lhe importa o que dele dizem, continua o mesmo de sempre: descontraído e folgazão. Com isto, não se diz que ele seja um estouvanado, um doidivanas, sem princípios norteadores da vida, pois que continua a fazer seus os valores que os pais e os avós lhe ensinaram.
No artigo a que me reporto, refere o articulista da Times, David Collins, que “talvez a maior influência de Haaland seja o seu famoso pai, Alfle Haaland, agora com 50 anos, que jogou pelo Nottingam Forest e pelo Leeds United, na década de 90. E pelo Manchester Ciry no início dos anos 2000, um clube transformado nos tempos modernos pelo dinheiro do Sheikh Mansour, de Abu Dhabi, membro da família real dos Emirados, com um património líquido de 17 mil milhões de libras (19 mil milhões de euros). Em meados da década de 90, Alfle conheceu Gry Marota Braut (…) uma atleta norueguesa e campeã de heptatlo. Casaram e tiveram três filhos: Astor, um estudante de finanças; Gabrielle, uma assistente na área da saúde e personalidade do Instagram; e Erling, o mais novo dos três. Erling nasceu em Leeds, por isso seria elegível para jogar pela seleção inglesa”(op- cit.). Erling, ao contrário dos irmãos, acha des-interessante estudar e super-interessante praticar desporto, mormente o futebol. Um dos seus professores do secundário relata o que lhe ouviu: “Um dia, disse-me, sem receio, que não queria estudar, que não se sentia feliz entre os livros”. E acrescentou: “Mas não tenham receio: vou ser o melhor jogador do mundo”. E o professor não esconde a admiração que nutre pelas qualidades intelectuais do Erling: “E, no entanto, trata-se de um rapaz inteligentíssimo”. De facto, o futebol que, hoje pratica já lhe grangeou as mais exzpressivas manifestações de espanto, no mundo todo. Se não estou em erro, nas sete inteligências, identificadas por H. Gardner (cfr. Frames of mind. The Theory of multiply intelligence, Basic Books, New York, 1983), lá encontramos a corporal-quinestésica, ao lado da lógico-matemática, da musical, da linguística, da espacial, da intrapoeaaoal e da interpessoal. Em produções mais recentes, Gardner propõe a existência de mais três outras inteligências: a naturalista, a existencial e a espiritual. Depois da inteligência emocional e da inteligência social, a teoria das inteligências múltiplas apresenta, no entender de Gardner, as características básicas da inteligência.
Há mais de 25 séculos, a filosofia ocidental vem convivendo com a distinção, com a p+rofinda diferença entre a razão e a imaginação, entre o corpo e o espírito (caminhando-se, hoje, fascinados pelos mitos da hora que passa, para uma naturalização do ser humano). Os gregos logo ensinaram que o logos tem declarada supremacia sobre a physis. A ele cabe o ato de pensar, de refletir, de poder superiorizar-se sobre o mundo físico e de manipulá-lo. Pela reflexão, o ser humano procura, não só respostas para os enigmas da existência, mas ainda o controlo sobre as situações adversas com que a natureza o enfrentava. A definição de homem, como animal racional, acentua bem o valor do logos e o pouco valor da physis que deveria ser conduzida pela razão, o logos, já que na physis se integravam também os sentimentos, as emoções, os sonhos, a fantasia, o imaginário. Dou um salto até Descartes (1596-1650) onde, no Discurso do Método (IV parte) se lê: “Concluí que o eu era uma substância cuja essência ou natureza não é senão o pensar”. Para não me tornar maçudo, direi que a inteligência corporal-quinestésica manifesta-se na capacidade para resolver todos os problemas que emergem do “corpo em ato”, ou da “motricidade humana”. Quem não se lembra dos Galáticos do Real Madrid? Eram todos jogadores de “classe”, a qual não esplendia em todos com igual fulgor, mas todos os galáticos davam tudo o que tinham. A revista QuatroQuatroDois (Lisboa, Novembro de 2013) entrevistou Zidane, Roberto Carlos, Ronaldo e Figo, quatro dos Galáticos. Por todos, falou o Roberto Carlos: “Nenhum de nós se sentia galático”. Luís Figo, saudoso e tranquilo, corroborou: “Acho que ninguém se sentia galático, ou mais importante do que os outros”. O pai de Haaland assevera que o filho tenta seguir uma dieta rigorosa, depois de ter observado que foi com uma dieta saudável que o Cristiano Ronaldo prolongou, durante tantos anos, uma carreira de êxitos. Os êxitos não se conseguem tão-só, com uma dieta medicamente rigorosa. Para além da dieta, há tantas coisas mais a ter em conta, embora a dieta seja fator de importância indesmentível. Até os suaves quebrantos da sua namorada lhe são essenciais…
No entanto, Kevin de Bruyne, Erling Haaland e Lionel Messi, um deles sucede a Karim Benzema como o melhor jogador, para a UEFA, da época de 2022/2023. O médio ofensivo belga, o avançado noroeguês e o avançado argentino são os finalistas da votação, promovida pela UEFA, que anunciará o vencedor, no Mónaco, na cerimónia do sorteio da fase de grupos da Liga dos Campeões, no próximo dia 31 do mês em curso. Em Dezembro de 2019, Haaland assinou pelo Borussia de Dortmund um contrato de 17 milhões de libras (19,8 milhões de euros), com a validade de 4 anos e meio. Após duas épocas na Alemanha, ao longo das quais marcou 85 golos em 88 jogos, Haaland rumou ao Manchester City. Assinou um contrato de cinco anos, no valor de 470 mil euros semanais, subindo pata um milhão de euros com bónus de desempenho. Hoje, quando se salienta o valor dos futebolistas de extraordinária classe, dá-se especial relevo ao dinheiro que ganha. E, por vezes, como sucede com o Haaland, não se esconde que ele não gostava de estudar e, por isso… não estudou! E eu pergunto se educar não é preciso, na vida dos futebolistas. A função primeira do treinador não é educar, mas adestrar. Mas preparar para um rendimento capaz para a alta competição.
E, pergunto ainda, será saudável a alta competição? Na construção do futuro de um futebolista a escola não tem lugar? Faz sentido que a educação dos futebolistas de excecionais qualidades físico-técnicas tenha como professores únicos alguns dirigentes ditos “desportivos”? Já se fala num “novo contrato social para a educação”. O futebol sabe o que isso é? Uma “formação continuada e global” não passa pelo futebol? É preciso descobrir, em qualquer espaço desportivo, o tesouro educativo que dele emerge. E é preciso inovar, para progredir. Eu queria dizer até: é preciso humanizar, tendo em conta um verdadeiro desenvolvimento. É que um futebolista é um cidadão também.