Editorial - O caso Vlachodimos

Opinião Editorial - O caso Vlachodimos

OPINIÃO20.08.202312:23

A decisão de Roger Schmidt de falar abertamente sobre a atuação do guarda-redes Vlachodimos na derrota do Benfica com o Boavista, no Bessa, pode, eventualmente, ser vista como controversa, mas é legítima. Pelo que se lê nos jornais, Roger Schmidt disse que Vlachodimos não teve «o melhor dia dele».


«Podia ter feito melhor; foram três remates, três golos», disse o treinador campeão pelo Benfica.

Vlachodimos, pelos vistos, não gostou do que ouviu, e, ao que ficou agora a saber-se, obviamente sem confirmação oficial, é que o guarda-redes greco-germânico gostou ainda menos de saber que não seria titular frente ao Estrela da Amadora, no jogo de ontem à noite na Luz, e nem o afortunado salário que recebe nas águias parece suficiente para o tornar mentalmente forte e preparado para as diferentes circunstâncias da sua vida profissional.

Se contestou, como parece, a autoridade do treinador, Vlachodimos obrigou Roger Schmidt a tomar a única medida possível no contexto, afastar o guarda-redes da convocatória. Vlachodimos mostrou-se emocionalmente frágil e incapaz de suportar um momento mais débil, e razão, provavelmente, tinha mesmo Jorge Jesus quando, da última vez que comandou a equipa encarnada, também deixou de elogiar Vlachodimos em público e chegou mesmo a afastá-lo para dar a titularidade a Helton Leite.

Outros treinadores, de maior experiência, peso e incomparável currículo, como Pep Guardiola ou José Mourinho, nunca deixaram de falar publicamente de jogadores, e quando algum deles de algum modo confronta a autoridade do líder técnico está condenado. José Mourinho geriu sempre de forma brilhante, mas nunca escondida, os conflitos com os jogadores, e chegou mesmo, por exemplo, a afirmar publicamente que Ricardo Carvalho era mentalmente fraco, quando ambos trabalhavam no Chelsea.

Com Guardiola, o último grande exemplo será o de João Cancelo, o internacional português que chegou a ser tão importante no Manchester City (talvez mesmo um dos cinco jogadores mais importantes da equipa no penúltimo e antepenúltimo títulos do City).

Cancelo passou do patamar top 5 para dispensado por Guardiola, seguindo agora de empréstimo (Bayern, na época passada) em empréstimo (Barcelona, agora), até ao divórcio final com um treinador que chegou a exibi-lo como melhor lateral do mundo.

É verdade que Guardiola optou por não acusar Cancelo de nada. Mas não acabou por publicamente o condenar? Pior: não o fez definitiva e irremediavelmente?!

Pode agora tentar pôr-se em perspetiva a influência negativa que pode ter sido exercida sobre Vlachodimos durante o defeso pelas constantes notícias de o Benfica andar no mercado à procura de um guarda-redes, e de ter acabado por encontrá-lo na Ucrânia. Mas essa é uma falsa questão e só mesmo levianamente se pode considerar que serão os dirigentes do futebol do Benfica e o treinador Schmidt os responsáveis pela alegada instabilidade (ou fragilidade) de Vlachodimos.

Os profissionais de futebol nas equipas de topo ganham mais do que o suficiente para se prepararem para tudo o que diz respeito, evidentemente, à forma como lidam com a profissão. Se de cada vez que os clubes procuram jogadores estivessem a fazer mal aos que têm, então não podiam contratar. Isso passa-se no Benfica, no FC Porto, no Sporting ou em qualquer outra equipa do mundo.

Ainda no caso de Vlachodimos, que sempre considerei (vale o que vale, mas é há muito a minha opinião) não ser um guarda-redes à altura de uma grande equipa ou da equipa grande que o Benfica quer ser (é um bom guarda-redes, mas com tremendas limitações para uma grande equipa, no jogo de pés, nas saídas, na leitura do jogo, no encurtar das distâncias e respetiva cobertura da profundidade, nos cruzamentos…), podemos, mesmo que ingenuamente, admitir que Roger Schmidt, ao afastá-lo da titularidade, pudesse estar a querer proteger o guarda-redes internacional A pela Grécia depois da evidente pior exibição no Estádio do Bessa, na estreia do campeão na Liga 2023/2024.

Mas ainda que Schmidt estivesse apenas a preparar já a sucessão para vir a dar, muito em breve, a titularidade ao ucraniano Trubin, não está o treinador a fazer apenas o que lhe compete, gerir o plantel e procurar formar a melhor equipa?

Roger Schmidt não tornou a vida de Vlachodimos mais difícil. Limitou-se a reconhecer em público o que todos comentavam em privado, que Vlachodimos podia ter estado melhor no Bessa, não deixando de reconhecer a importância que Vlachodimos já teve para a equipa, cumprindo, digo eu, o que se espera de um guarda-redes numa equipa de topo.

Claro que ninguém é infalível, e estamos cansados de ver grandes guarda-redes terem jogos muito infelizes. A diferença, porém, nunca está na queda; está na capacidade de nos levantarmos!