Espaço Universidade A ilusão do modelo desportivo ( (artigo de Vítor Rosa, 162)
O desporto possui uma dimensão supra-estatal e funciona como modelo social universal. As regras que o regem aplicam-se uniformemente em todo o mundo. Elas instauram um quadro normativo que preside nas relações sociais. Como referência transcultural, o desporto impõe a sua própria cultura, os seus ritos e os seus princípios.
A justiça e a igualdade de oportunidades são os garantes da constituição de uma hierarquia legítima. A prática desportiva tornou-se o refúgio dos valores democráticos. Este museu vivo dos princípios morais das sociedades modernas tem justificado a sua veneração. Não podemos esquecer que o princípio de equidade comporta duas partes: uma que nos dá conta da forma como nós contraímos as obrigações e a outra na qual se estabelece a questão de ser justo. No caso do desporto, julga-se que se trata de uma instituição justa. Mesmo se os princípios são colocados em causa, a ligação com o público continua. Mas as contradições fazem parte do quotidiano dos homens e das mulheres que vivem nas sociedades capitalistas mundializadas, que apregoam a justiça e a igualdade e que oferecem o espetáculo crescente de desigualdades sociais. O desporto participa dessa mesma ilusão.
O desporto é, por consequência, um facto social portador de princípios morais por uma determinada sociedade, num determinado momento. Ele não pode ser o seu modelo, dado que é a sociedade que o modela. O princípio das transformações das práticas e dos consumos desportivos deve ser procurado na relação entre as transformações da oferta (invenção ou importação de práticas desportivas, equipamentos novos, reinterpretação de desportos ou de jogos antigos, etc.) e as transformações da procura (mudança de estilos de vida).
Vítor Rosa
Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa