Espaço Universidade O desporto no coração da civilização (artigo de Vítor Rosa, 72)
As artes são sempre um bom barómetro da importância de um fenómeno no coração da civilização. Assim sendo, o desporto pode ser considerado um meio de expressão artística.
Para além da inspiração, o desporto dá o gosto da força, mas não é uma força qualquer. É o da força cultivada, trabalhada, controlada e honestamente utilizada. O desporto não se reduz a uma só prática e não existe confinado em si próprio. Ele não é apenas um espetáculo submetido às leis de audiências e dos mercados. Pela força das coisas, ele constitui-se em sociedade, tem instituições e regras. Ele organiza-se. Ele estrutura-se. Os poderes são distribuídos. Constituem-se hierarquias. Ele molda e é moldado. Como todo o fato social, o desporto é uma perpétua criação dos homens e das mulheres que o praticam e organizam, e estes homens e mulheres são, por seu turno, transformados por esta mesma criação. O mundo do desporto, apesar das suas especificidades incontestáveis, não paira de forma angélica por cima da sociedade global. É atravessado pelos campos de força da sociedade económica e política onde ele se situa. Ele não é um enclave autónomo, uma prática independente. Ele está ligado aos problemas de educação e de política, aos “dramas” de amor e de dinheiro. Ele é um elemento ativo no seio de uma civilização. Os encontros de alto nível provocam um grande entusiasmo coletivo.
As grandes competições (futebol, râguebi, etc.) provocam explosões de alegria coletiva. O espectador atinge muito depressa o máximo de intensidade de participação e de comunhão. As multidões (espectadores) não vibram somente porque são mobilizados fatores identitários. É-lhes dado a ver o rendimento do corpo humano, as performances físicas e a vontade de querer vencer. Concordamos com Magnane, na sua “Sociologie du Sport” (1964), quando escreve: “a paixão do espetáculo desportivo, independentemente da dose de convenção e de improvisação, da simulação e da autenticidade que comporta, manifesta-se sempre pela necessidade de evidência, pela obsessão do visível” (p. 101). O caráter obsessivo da performance é para o atleta o prolongamento do seu próprio eu projetado no exterior.
Vítor Rosa
Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares de Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa