«O ténis preparou-me para a guerra»: ex-n.º 13 do Mundo na linha da frente na Ucrânia
Alexandr Dolgopolov terminou a carreira em 2021 e meses depois alistou-se no exército, apesar de nunca antes ter tido contacto com armas
Alexandr Dolgopolov ainda não tinha cinco anos e o seu nome já era conhecido no circuito ATP. Muito graças a Andrei Medvedev, que, segundo o Público, confessou numa passagem no Estoril Open, no início da década de 90, sentir-se inspirado por um miúdo tenista de quatro anos.
Esse miúdo, Alexandr Dolgopolov, era filho do treinador do ucraniano que chegou a n.º 4 do ranking ATP, e cujo talento precoce deixou rendidos muitos jogadores profissionais, muito antes de ele próprio se estrear no circuito ATP, em 2006.
No auge da carreira, em 2012, Dolgopolov chegou a número 13 do mundo e o último jogo que fez foi em 2018, quando foi derrotado por Novak Djokovic, no Masters 1000 de Roma. O final oficial surgiu em 2021, depois de anos a lutar contra uma lesão no pulso.
Uma lesão que, porém, não o impediu de, um ano depois, pegar nas armas e seguir para a frente de guerra para defender o seu país, quando a Rússia invadiu a Ucrânia.
E foi como combatente que Dolgopolov, atualmente com 36 anos, falou ao Der Spiegel, jornal alemão a quem recusou dar a localização ou fazer videochamada, por questões de segurança.
A abrir, convidado a partilhar aquilo de que mais sente falta dos tempos de tenista de topo mundial, Dolgo desarmou o jornalista.
«Adorava jogar em frente a multidões e competir, mas não sinto falta de treinar nem das lesões constantes. Aquilo de que sinto falta é da paz e de um dia sem notícias de mortes de crianças, civis e camaradas de luta», declarou.
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Quando a guerra começou, porém, a vida mudou rapidamente para ele, que viajou da Turquia, onde estava com a família, para se juntar às tropas ucranianas.
«Nunca tinha lidado com armas, mas procurei o campo de tiro mais próximo que tinha, em Antalya, e tive a sorte de encontrar um antigo soldado das forças especiais turcas, que passou uma semana a ensinar-me a disparar. Depois comprei uma metralhadora, camuflado e colete à prova de bala e juntei-me com uns amigos que já tinham estado a combater em Kherson, que me ensinaram o básico das táticas militares», recorda.
Já quando foi desafiado a apontar as principais diferenças entre a sua vida antes da guerra e a realidade com lida agora diariamente, a resposta foi óbvia: «a falta de conforto».
«Estava habituado a boas casas, hotéis, massagens, comida saudável… Não tinha intenção de me tornar soldado. Agora, por vezes, tenho de dormir em casas destruídas em cidades abandonadas, onde os ratos e as baratas abundam e cuja casa de banho é um buraco», partilha, ele que assume, naturalmente, que a guerra o fez mudar a forma como encara a vida.
«Eu costumava ficar chateado quando perdia um jogo. Claro, aquele era o meu trabalho e era importante para mim. Mas o desporto não é assim tão importante, é apenas um jogo. Quando vez a perna de um camarada explodir à tua frente, a tua perspetiva de vida muda completamente. Não desejo essa experiência a ninguém», reconhece Dolgopolov.
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Ainda assim, o antigo jogador, que chegou a nove finais de torneios ATP e venceu três - Umag 2011, Washington 2012 e Buenos Aires 2017 – assume que os ensinamentos do ténis foram fundamentais para o seu dia-a-dia atual.
«O ténis preparou-me para a guerra. As capacidades de que precisas como atletas são semelhantes às necessárias a um soldado: é preciso reagir rapidamente, concentrar e adaptar constantemente a novas situações», descreve.
De resto, Dolgo, que queria ser piloto de ralis se não tivesse sido tenista, tornou-se agora operador de drone na linha da frente, para comunicar as posições e armas do inimigo e contou um episódio passado no verão de 2023, quando viu a morte mais perto.
«Estávamos a filmar o terreno com um drone quando, de repente, fomos alvejados com morteiros de 120 milímetros. Saltámos para uma trincheira, mas as explosões estavam cada vez mais próximas e fomos sacudidos violentamente. Para se perceber, se projéteis daquele calibre caírem a menos de oito metros de ti, podem rasgar-te as entranhas», relata sobre o episódio que o obrigou a ser internado durante uma semana num hospital.
Dolgopolov reconhece ainda que não é da morte que tem mais medo na guerra. «Honestamente, tenho mais receio de ser ferido e tiver de viver como um inválido. Se puder escolher, prefiro morrer», assegura.
A terminar, o agora soldado ucraniano confessou que a guerra já o mudou e que não sabe se voltará a ser como era antes. «Tornei-me mais sério e perdi a leveza que costumava ter. Não sei se isso vai voltar algum dia. Além disso, a guerra tornou-me mais agressivo», finalizou.
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