«O ténis preparou-me para a guerra»: ex-n.º 13 do Mundo na linha da frente na Ucrânia
Alexandr Dolgopolov é operador de drone na linha da frente dos combates com a Rússia

«O ténis preparou-me para a guerra»: ex-n.º 13 do Mundo na linha da frente na Ucrânia

TÉNIS27.03.202520:03

Alexandr Dolgopolov terminou a carreira em 2021 e meses depois alistou-se no exército, apesar de nunca antes ter tido contacto com armas

Alexandr Dolgopolov ainda não tinha cinco anos e o seu nome já era conhecido no circuito ATP. Muito graças a Andrei Medvedev, que, segundo o Público, confessou numa passagem no Estoril Open, no início da década de 90, sentir-se inspirado por um miúdo tenista de quatro anos.

Esse miúdo, Alexandr Dolgopolov, era filho do treinador do ucraniano que chegou a n.º 4 do ranking ATP, e cujo talento precoce deixou rendidos muitos jogadores profissionais, muito antes de ele próprio se estrear no circuito ATP, em 2006.

No auge da carreira, em 2012, Dolgopolov chegou a número 13 do mundo e o último jogo que fez foi em 2018, quando foi derrotado por Novak Djokovic, no Masters 1000 de Roma. O final oficial surgiu em 2021, depois de anos a lutar contra uma lesão no pulso.

Uma lesão que, porém, não o impediu de, um ano depois, pegar nas armas e seguir para a frente de guerra para defender o seu país, quando a Rússia invadiu a Ucrânia.

E foi como combatente que Dolgopolov, atualmente com 36 anos, falou ao Der Spiegel, jornal alemão a quem recusou dar a localização ou fazer videochamada, por questões de segurança.

A abrir, convidado a partilhar aquilo de que mais sente falta dos tempos de tenista de topo mundial, Dolgo desarmou o jornalista.

«Adorava jogar em frente a multidões e competir, mas não sinto falta de treinar nem das lesões constantes. Aquilo de que sinto falta é da paz e de um dia sem notícias de mortes de crianças, civis e camaradas de luta», declarou.

Dolgopolov e Rafael Nadal antes de um jogo entre eles.
Ao longo da carreira, Dolgopolov bateu duas vezes Rafael Nadal (IMAGO)

Quando a guerra começou, porém, a vida mudou rapidamente para ele, que viajou da Turquia, onde estava com a família, para se juntar às tropas ucranianas.

«Nunca tinha lidado com armas, mas procurei o campo de tiro mais próximo que tinha, em Antalya, e tive a sorte de encontrar um antigo soldado das forças especiais turcas, que passou uma semana a ensinar-me a disparar. Depois comprei uma metralhadora, camuflado e colete à prova de bala e juntei-me com uns amigos que já tinham estado a combater em Kherson, que me ensinaram o básico das táticas militares», recorda.

Já quando foi desafiado a apontar as principais diferenças entre a sua vida antes da guerra e a realidade com lida agora diariamente, a resposta foi óbvia: «a falta de conforto».

«Estava habituado a boas casas, hotéis, massagens, comida saudável… Não tinha intenção de me tornar soldado. Agora, por vezes, tenho de dormir em casas destruídas em cidades abandonadas, onde os ratos e as baratas abundam e cuja casa de banho é um buraco», partilha, ele que assume, naturalmente, que a guerra o fez mudar a forma como encara a vida.

«Eu costumava ficar chateado quando perdia um jogo. Claro, aquele era o meu trabalho e era importante para mim. Mas o desporto não é assim tão importante, é apenas um jogo. Quando vez a perna de um camarada explodir à tua frente, a tua perspetiva de vida muda completamente. Não desejo essa experiência a ninguém», reconhece Dolgopolov.

Roger Federer foi outro dos adversários de Dolgopolov quando estava no topo no ténis mundial
Roger Federer foi outro dos adversários de Dolgopolov quando estava no topo no ténis mundial (IMAGO)

Ainda assim, o antigo jogador, que chegou a nove finais de torneios ATP e venceu três - Umag 2011, Washington 2012 e Buenos Aires 2017 – assume que os ensinamentos do ténis foram fundamentais para o seu dia-a-dia atual.

 «O ténis preparou-me para a guerra. As capacidades de que precisas como atletas são semelhantes às necessárias a um soldado: é preciso reagir rapidamente, concentrar e adaptar constantemente a novas situações», descreve.

De resto, Dolgo, que queria ser piloto de ralis se não tivesse sido tenista, tornou-se agora operador de drone na linha da frente, para comunicar as posições e armas do inimigo e contou um episódio passado no verão de 2023, quando viu a morte mais perto.

«Estávamos a filmar o terreno com um drone quando, de repente, fomos alvejados com morteiros de 120 milímetros. Saltámos para uma trincheira, mas as explosões estavam cada vez mais próximas e fomos sacudidos violentamente. Para se perceber, se projéteis daquele calibre caírem a menos de oito metros de ti, podem rasgar-te as entranhas», relata sobre o episódio que o obrigou a ser internado durante uma semana num hospital.

Dolgopolov reconhece ainda que não é da morte que tem mais medo na guerra. «Honestamente, tenho mais receio de ser ferido e tiver de viver como um inválido. Se puder escolher, prefiro morrer», assegura.

A terminar, o agora soldado ucraniano confessou que a guerra já o mudou e que não sabe se voltará a ser como era antes. «Tornei-me mais sério e perdi a leveza que costumava ter. Não sei se isso vai voltar algum dia. Além disso, a guerra tornou-me mais agressivo», finalizou.

Pouco depois de a guerra ter começado, Dolgopolov comprou uma metralhadora, um camuflado e foi combater as tropas russas.
Pouco depois de a guerra ter começado, Dolgopolov comprou uma metralhadora, um camuflado e foi combater as tropas russas