Edson Valencia: «Não dormi durante quatro dias seguidos!»

Edson Valencia: «Não dormi durante quatro dias seguidos!»

VOLEIBOL18.10.202302:13

Após estupenda época na Fonte Bastardo, o voleibolista venezuelano aceitou uma tentadora proposta do Maccabi Telavive; com o recente eclodir do conflito entre Israel e o Hamas, voltou temporariamente à Ilha Terceira, onde deixou a mulher e os filhos

— Para quem foi para o Médio Oriente após ter assinado o contrato da sua vida, aos 35 anos, e estava a gostar da experiência, acabou por ser apanhado de surpresa com este súbito conflito entre o Hamas e Israel…

— Sim, estava tudo a correr muito bem. Estava muito feliz em Telavive. Os dirigentes foram impecáveis e até permitiram que me apresentasse um pouco mais tarde, para poder estar presente no aniversário da minha filha, aqui nos Açores. De repente começou este pesadelo…

— Onde estava quando tudo começou?

— Estava a dormir e acordei com o barulho ensurdecedor de sirenes às 6 da manhã. Pensei que fosse algo passageiro, mas 20 minutos depois aquele som medonho voltou a ecoar. Liguei para um colega e perguntei o que se passava, pois parecia que tinha uma ambulância dentro de casa. Ele respondeu muito admirado: ‘Está em casa?... Estás doido?... Quando o alarme soa, tens de fugir para dentro do bunker! Corre já!’. 

— A partir daí viveu sempre em sobressalto…

— Fui para o abrigo na cave do prédio, juntamente com outros moradores. Nem sabia onde ficava o bunker e limitei-me a seguir os meus vizinhos naquela autêntica correria. Ficámos lá cerca de 20 minutos à espera que as explosões parassem e depois regressámos aos apartamentos.

— Cada prédio tem o seu bunker?

— Os prédios mais antigos têm um abrigo na cave. Os mais modernos têm um bunker por cada piso… É como se fosse um pequeno apartamento, sem divisórias, e com paredes espessas. 

— O receio começou a tomar conta do Edson?

— Desde o sábado em que tudo começou até terça-feira, refugiei-me umas 10 vezes no bunker! É horrível estares dentro de um esconderijo, rodeado de pessoas aos gritos, que falam uma língua que não dominas. O meu prédio estava um pouco afastado da zona de maior conflito, mas as explosões eram bem audíveis, até porque as paredes do edifício oscilavam com o impacto dos rebentamentos. Por precaução fiquei uma noite em casa de um dirigente do Maccabi, em Kfar Saba, a 15 km a norte de Telavive, antes de voltar a Lisboa.

— Como se precaveram os israelitas contra os mísseis e outro tipo de ataques do Hamas?

— Com um sistema antiaéreo que desfaz vários mísseis no ar. Obviamente que esse embate origina um estrondo que te deixa aterrorizado. Não dormi durante quatro dias seguidos. Não conseguia fechar os olhos enquanto lá fora se ouviam explosões, tiroteios e gritos de pânico. Até crianças mataram. Receei não ver mais a minha família.

— Como se processou o regresso a Portugal?

— Os dirigentes foram muito compreensivos comigo. Viram que eu não estava bem e como não tínhamos condições para treinar e muito menos jogar, autorizaram-me a vir uns dias a Portugal. A minha esposa tentou que eu regressasse pelo avião da Força Aérea Portuguesa, mas como sou residente temporário em Portugal não pude vir nesse avião. Os meus colegas foram incansáveis, e encontraram um voo online, numa companhia israelita, que na quarta-feira trouxe-me de volta a Lisboa. 

— Quando estava no aeroporto em Telavive, finalmente respirou de alívio?

— Não. Mesmo no aeroporto, que estava repleto, tivemos de descer em pânico para o bunker, pois houve um ataque de mísseis muito próximo dali. Depois de tudo serenado entrámos no avião, mas só duas horas após a descolagem, já fora do espaço aéreo israelita, fiquei aliviado.

— E agora, o que lhe reserva o futuro?

— Fiz uma videoconferência com os meus dirigentes. Enquanto este clima bélico persistir, não há desporto em Israel. Vou treinar com a minha antiga equipa [Fonte Bastardo ] e quando houver condições para isso voltarei a Israel, onde, apesar de tudo, fui muito bem tratado e acarinhado. Daqui a uns anos gostava de terminar a carreira aqui na Terceira, onde a minha família se sente em casa.

Uma vida que dava um livro

A vida de Edson dava um livro. Praticou decatlo antes de optar pelo voleibol. Em 2015 era suplente na equipa do Huracanes e devido à lesão de um titular acabou por jogar precisamente na finalíssima da liga. Só fez esse jogo e bastou-lhe para ser campeão, o melhor em campo e ser convocado para a seleção venezuelana.

Atuou na Argentina e Espanha, antes de vir para Portugal. Vestiu as cores de V. Guimarães e VC Viana. Na turma vitoriana foi dispensado durante a pandemia.

Com uma casa para pagar, e família para sustentar, trabalhou dois meses nas obras, como pedreiro, sem nunca ter visto uma talocha. Foi para Viana do Castelo fazer o que mais gosta e um ano depois recebeu um convite para representar a Fonte Bastardo. 

Antes de aterrar nas Lajes, a sua mãe faleceu com Covid na Venezuela. Jogou duas épocas a grande nível nos Açores. Seduzido pelo Maccabi, foi garantir o futuro dos seus, no Médio Oriente. Uma semana após ter aterrado em Telavive, eclodiu o conflito Israel-Hamas.