26 abril 2024, 09:30
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Emanuel Silva recorda o melhor que a canoagem lhe deu: a mulher e, consequentemente, a filha, Lara
- Olhando para o início do seu percurso, como é que se convence uma criança a ir para a água gelada e dedicar-se, faça frio ou chuva, sem desistir?
- Bem, primeiro é preciso convencer os pais. Acho que é mais fácil convencer o miúdo do que os pais. Porque depois de convencemos os pais, eles conseguem encaminhar os miúdos para lá chegar.
- O seu pai diz que foi o Emanuel que o convenceu a ele…
- Sim. Eu queria ser atleta de canoagem, só via canoagem. E felizmente os meus pais apoiaram nessa maluqueira. Mas disseram-me: ‘se queres isso nós vamos apoiar-te, mas tens de te dedicar a 200%’. Se o meu pai estava a dar seu esforço para me levar ao rio, eu tinha de fazer valer esse contributo. Mas eu queria tanto, tanto, tanto, e ele disse ‘o puto quer essa maluqueira, vamos lá fazer-lhe a vontade’. Ainda me perguntou se eu não queria ir antes para o futebol, mas eu disse que se ele me metesse no futebol, eu desistia logo.
- Ir treinar para o rio de madrugada antes da escola; passar cerca de 250 dias por ano fora de casa; milhares de horas sozinho no rio… Tudo valeu a pena?
- Sim, valeu tudo a pena. Não só também pelos resultados que alcancei, mas também porque foi graças à canoagem que conheci a minha mulher. Ou seja, se não fosse o desporto, não teria a minha esposa e a Lara não teria nascido.
- Como se conheceram?
- Conheci-a em 2004, em Poznán, na Polónia. Conhecia-a quando estava a celebrar o apuramento olímpico, numa discoteca na Polónia. Iniciámos um relacionamento, depois convidei-a para vir para Portugal, ela aceitou o desafio e ainda cá está [risos]. Estamos juntos há 20 anos.
- Ou seja, o primeiro diploma olímpico chegou mesmo antes de se estrear nos Jogos Olímpicos.
- [gargalhada] É verdade, mesmo antes de competir já tinha na bagagem um diploma.
- Ela foi a melhor coisa que a canoagem lhe deu?
- Sem dúvida. E conhecer tantos países, tantas culturas e ideias. Criei o meu estilo de vida e forma de ser, baseado nos conhecimentos que o desporto me proporcionou. Vivi o desporto muito intensamente. Apesar desta ressaca que agora estou a viver, o desporto traz muita coisa boa.
26 abril 2024, 09:30
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- E qual a coisa mais importante de que a canoagem o obrigou a abdicar?
- Momentos de família, de festa. Faltar a festas da escola da minha filha. Não me arrependo, e ela entende. Mas provavelmente, hoje faria de forma diferente. Em algumas fases importantes eu estava a 200 quilómetros de distância e não fui. Mas agora viria. Porque não estava assim tão longe. Eu vivia para o desporto e o alto rendimento, mas talvez fosse possível fazer esta diferençazinha.
- Faltou demasiado?
- Sinto que sim. Depois de Tóquio2020, estive quase a terminar a carreira. A balança esteve muito equilibrada: era entre despedir-me em Paris com a família e os amigos comigo, ou sair naquele momento e aproveitar o que restava da juventude da Lara. Agora não lhe posso dizer: ‘princesa, vamos fazer castelos na areia?’. Não porque ela já não faz castelos na areia. ‘’Vamos andar de moto de água?’. Não porque ela vai passar o fim de semana aqui ou ali… Depois de uma reunião de família, decidimos avançar. Mas tive de abdicar de muitas coisas e poderia ter feito de outra forma.
- Foi uma aprendizagem.
- Sim. E uma das mensagens que passo, por exemplo ao Fernando [Pimenta], é: ‘os teus filhos estão a crescer, tenta conciliar as coisas, porque um dia essa mágoa pode surgir’. Eu não tive quem me alertasse para isso, a minha família fazia o seu papel, e se eu estava bem, eles também estavam.
- E mesmo não tendo conseguido despedir-se em Paris, como sonhava, esse esforço extra valeu a pena?
- Sim, sem dúvida. Foram três anos de muita aprendizagem. Difíceis, mas cresci muito. E vi também quem é valia a pena segurar nos meus ciclos de amizades. Não me arrependo nada de ter feito essa decisão. Paris era um sonho, mas às vezes os sonhos não se conseguem realizar.
26 abril 2024, 09:45
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[a mostrar coerência com aquilo que dizia, Emanuel Silva pediu para suspender a entrevista durante cerca de duas horas para poder estar no jantar de aniversário do pai]
- Tem piada que parámos a conversa quando eu ia perguntar pela importância do seu pai no seu percurso. Quanto daquela medalha olímpica em Londres é dele?
- Isso é uma pergunta um bocado difícil. Ele é o responsável, e o pilar fundamental para o meu sucesso, porque acreditou mais ele na parte inicial do que propriamente eu. Ele é que me deu todo o incentivo naquelas manhãs que eu tinha que acordar de às cinco da manhã para ir treinar. É muito dele, sem dúvida. Se ele tivesse outro tipo de mentalidade, se calhar o meu sonho do alto rendimento teria ido por água abaixo [risos].
- Foi fundamental, quer fosse a levá-lo aos treinos, ou a assobiar em competição…
- Sem dúvida. [risos] Sem dúvida. Tocou aí num ponto muito importante. O assobio dele estava sempre presente. E quando ele conseguia marcar presença, dizia-me: ‘faz conta que eu estou na margem a assobiar por ti, imagina esse assobio, porque eu estou lá, independentemente se estou fisicamente ou não’. Por isso, esse é um pormenor muito importante, que faz toda a diferença. E claro que me marca recordar esses momentos. É um momento nostálgico porque já quase não me lembrava desse pormenor do assobio. Obrigado por isso [risos]. Além de também ter tido sempre todo o apoio da minha mãe, noutros aspetos, mais formal, talvez. Mas também foi uma peça fundamental.
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