Para quem esperava uma luta de gigantes e um concerto de alto nível na subida para Campo Imperatore, ficou desiludido porque a 7.ª etapa da Volta à Itália constituiu um fiasco desportivo. Os tenores decidiram realizar um acordo de paz, meteram as violas nos sacos e adiaram o concerto para um dos próximos dias em outras estradas de montanha do Giro italiano. Colocar uma subida de 45 km numa etapa de 218 km torna-se desumano para quem anda mais de seis horas em cima da bicicleta e todos os dias com a casa às costas. Esta é a vida de um ciclista profissional, dura, ingrata e traiçoeira, mas nada justifica a apatia que reinou no pelotão desde a partida à chegada, porque só é ciclista quem quer e como tal sujeita-se a um percurso que foi conhecido há mais de seis meses. Na versão dos ciclistas todos os dias as etapas são duras e difíceis, pelo que a falta de iniciativa na etapa que ligou Cápua e Campo Imperatore, foi de conformismo entre corredores e equipas. O que aconteceu não tem justificação e demonstra que nesta altura do Giro, existe desconfiança entre os candidatos que dizem correr para a geral. Como até agora não foram colocados à prova e antes que perder ou ganhar tempo numa aventura imprevisível, foi preferível ficar no pelotão ao lado dos adversários, numa clara falta de iniciativa e coragem, evitando situações precipitadas que poderiam ser desfavoráveis. Por estranho que pareça, irá ser o longo contrarrelógio no domingo com 35 km em Cesena, que irá marcar diferenças e obrigar que na próxima semana a forma de atacar as montanhas seja completamente diferente do que aconteceu no Gran Sasso italiano, no qual se recuperou o velho ditado da montanha ter parido um rato, porque tudo ficou como estava na hora da partida em Cápua. Perante a pasmaceira de um pelotão medroso e adormecido, salvou-se a iniciativa da fuga protagonizada por Davide Bais (Eolo), Simone Petilli (Intermarché) e Karel Vacek (Corratec), porque cedo se percebeu que Henok Mulubrhan (Green Project) não fazia parte daquele campeonato. Depois de uma vantagem de mais de 12 minutos para o pelotão que foi apreciando a paisagem, os heróis da jornada com mais de 200 km nas pernas mereciam ser primeiros, mas como só pode ganhar um (em Portugal já ganharam dois), o italiano David Bais foi o vencedor, concluindo um final corajoso a mais de 2.100 metros de altitude. O sonho de todos os ciclistas é vencer uma etapa numa grande volta e Davide Bais com 25 anos não foi exceção; «Entrei na fuga para conquistar pontos no prémio da montanha e depois ajudar Fortunato que corre para a geral. Quando vi que a fuga iria chegar economizei forças para dar tudo no final. Ainda tenho que perceber o que aconteceu, estou num bom momento e queria ganhar. Quero dedicar a vitória a um dos nossos companheiros, Arturo Gravalos, que luta contra um problema, à minha noiva, família, toda a equipa e às pessoas que me amam», afirmou o vencedor que registou a primeira vitória como profissional. João Almeida viajou na carruagem dos candidatos, atento ao desenrolar da corrida, apenas teve a companhia de Jay Vine nos últimos 25 km, os restantes ficaram pelo caminho, que não é bom sinal quando apenas está percorrido um terço das etapas. «Hoje até foi um dia fácil, só tive que correr na parte final. Ninguém tentou sair por causa do vento contrário», afirmou o ciclista português depois de Geraint Thomas (Ineos) ter declarado; «No grupo ninguém queria assumir e muito menos atacar, ir na roda era muito mais fácil. Eu queria fazer qualquer coisa, mas as condições simplesmente não eram as melhores», enquanto Hugh Carthy (EF Education) acrescentou; «Claro que estou feliz porque nada aconteceu e não perdi tempo, o vento contrario era muito forte e ninguém quis arriscar». Remco Evenepoel, que viajou de helicóptero para o hotel, disse que tinha sido um dia perfeito; «Para nós a etapa até saiu bem, vamos ver as diferenças amanhã. O armistício foi principalmente devido ao vento que soprava forte, mas as sensações foram boas, até ganhei aquele sprint porque nunca se sabe se existem cortes no final. Estou um pouco assustado ter de ir de helicóptero para o hotel, espero que nada aconteça», rematou o campeão do mundo a queixar-se do frio. O camisola rosa, Andreas Leknessund que se despachou mais tarde devido a ter ido à cerimónia do pódio concluiu; «As sensações foram boas e sinto-me bem, só no ultimo quilometro tive que estar mais atento. Foi um pouco chato porque não tive de lutar para manter a camisola rosa, esperava ter uma etapa mais difícil, mas a vida é como é e amanhã temos outra etapa». 7.ª ETAPA CÁPUA - CAMPO IMPERATORE 218 KM 1.º Davide Bais (Ita/Eolo-Kometa) 6.08,40 h à média de 35,479 km/h 2.º Karel Vacek (Cze/Cirratec) a 9 s 3.º Simone Petilli (Ita/Intermarché) a 16 s 4.º Remco Evenepoel (Bel/Soudal) a 3,10 m 5.º Primoz Roglic (Slo/Jumbo-Visma) mt 6.º Thibaut Pinot (Fra/Groupama) mt 7.º Thomas Champion (Fra/Cofidis) mt 8.º João Almeida (Por/Emirates) mt 9.º Eddie Dunbar (Irl/Jayco-Alula) mt 10.º Christian Scaroni (Ita/Astana) mt CLASSIFICAÇÃO GERAL 1.º Andreas Leknessund (Nor/Team DSM) 29.02,38 h 2.º Remco Evenepoel (Bel/Soudal) a 28 s 3.º Aurélien Paret-Peintre (Fra/AG2R) a 30 s 4.º João Almeida (Por/Emirates) a 1,00 m 5.º Primoz Roglic (Slo/Jumbo) a 1,12 m 6.º Geraint Thomas (Gbr/Ineos) a 1,26 m 7.º Aleksandr Vlasov (Rus/Bora) mt 8.º Tao Geoghegan Hart (Gbr/Ineos) a 1,30 m 9.º Lennard Kamna (Ale/Bora) a 1,54 m 10.º Damiano Caruso (Ita/Bahrain) a 1,59 m PONTOS 1.º Jonathan Milan (Ita/Bahrain) MONTANHA 1.º Davide Bais (Ita/Eolo-Kometa) JUVENTUDE 1.º Andreas Leknessund (Nor/Team DSM) EQUIPAS 1.ª Ineos-Grenadiers 87.11,43 h 2.ª Bahrain-Victorious a 2,15 m 3.ª Jumbo-Visma a 2,34 m