A avenida Vasco da Gama, em Sines, e a convidativa praia e o Atlântico convidavam a um mergulho na partida de ontem, para a 3.ª etapa desta Volta, em que os ases do pedal tiveram o condão de fazer alguns virar costas à água e deixar o aprazível areal para obter a camisola ou boné da ordem junto dos stands promocionais do ‘circo’ desta Volta. Também ver os ídolos de perto, arriscando, os mais afoitos, a selfie da praxe. Paradoxo foram as costas voltadas, mas com 28 graus e o calor a subir, o apelo do ciclismo não trouxe a moldura humana possível, com quem não prescindiu das duas benesses de um agosto de férias ou fim-de-semana a aproveitar o pleno: viu a Volta, ganhou ‘bronze’ e voltou para casa regalado, após Sines ter sido animada por outro colorido que não o dos barcos que o tornam um dos maiores portos lusos e europeus. Em Loulé, na Praça da República, e no bar ‘Calcinha’, que frequentava em vida, a estátua de António Aleixo, o malogrado poeta popular algarvio (1899-1949), de origens humildes e semianalfabeto, era a única que, à sombra, não perdeu pitada do zumbido das máquinas voadoras e colorido das camisolas que ontem chegaram à terra da equipa do Louletano, dirigida por Américo Silva. ‘Este livro que vos deixo’, manual de ensinamentos populares, com a sátira, ironia e crítica social finas nas estrofes, é, ainda hoje, a obra do algarvio, nascido em Vila Real de Santo António, obra de leitura obrigatória. Aleixo estava adiantado no seu tempo, qual fugitivo numa fuga desta Volta. Como Nuno Meireles, da equipa do Louletano, andou quase 190 km na fuga com dois neerlandeses, em ano de centenário do clube local, para dar a vitória aos da casa. Quanto a António Aleixo e à obra marcante, qualquer semelhança com a estátua de Fernando Pessoa n’A Brasileira’, em Lisboa, não é mera coincidência. Não resistimos ao apelo da pose majestática e tomámos um café com o mestre da poesia. À sombra, que o Algarve… queima. «Os meus versos o que são?/Devem ser, se os não confundo/Pedaços de coração/Que deixo cá neste Mundo», lê-se na mesa e obriga o visitante a refletir com Aleixo. Porque, como imortalizou, «O homem sonha acordado/Sonhando a vida percorre/E desse sonho dourado/Só acorda quando morre».