«Para chegar ao limite, temos de ir para a altitude», diz Samuel Freire
Luso-caboverdiano está no Quénia a preparar a maratona de Sevilha, que se realiza no domingo
Samuel Freire, 33 anos, recordista de Cabo Verde da meia-maratona, também está no Quénia a preparar a maratona de Sevilha, que se realiza no próximo domingo. É o habitual companheiro de Samuel Barata e está, quase sempre, a sorrir. Nasceu em S. Lourenço dos Órgãos, na Ilha de Santiago, vive em Lisboa e é, atualmente, tratador de cavalos no Colégio Militar.
Iniciou-se no atletismo aos 12 anos, ainda em Cabo Verde, mas rapidamente deu nas vistas e, aos 21 anos, passou a representar o Sporting. A adaptação a Lisboa não foi fácil, pois sentia saudades da família e o clima, bem mais frio, dificultava a ambientação.
No seu país-natal, Samuel Freire corria, sobretudo, provas de estrada e, em Portugal, dedicou-se um pouco mais à pista, sobretudo a distâncias mais curtas. Entre 2017 e 2019, alcançou marcas interessantes, como 1.49,94 aos 800 m, 3.45,94 aos 1500 m (recorde de Cabo Verde) e 8.07,86 nos 3000 m. Tem dupla nacionalidade e sagrou-se campeão nacional de corta-mato curto em 2022, batendo, entre outros, Etson Barros e Samuel Barata.
Após ter tido uma lesão grave há três anos, desmotivou-se e foi Samuel Barata quem o recolocou no foco certo: «O Samuel, além de ser meu companheiro de treino, é meu amigo», revela Freire em conversa com A BOLA em Iten. «Acho que ele acredita mais em mim do que próprio», acrescenta entre sorrisos.
Há um ano, em Barcelona, correu a meia-maratona em 1.02.47, batendo o recorde de Cabo Verde. «Foi muito bom, fiquei muito satisfeito», diz, antes de projetar o futuro imediato: «Participei nos 5000 metros do Campeonato do Mundo de 2023 [Budapeste] e consegui fazer 14.07,38 e percebi que, treinando mais e melhor, posso fazer coisas interessantes. Agora, quero estar bem para conseguir marca de qualificação para os Jogos Olímpicos de Paris.»
Relativamente aos treinos no Quénia, Samuel Freire diz ter encontrado o local ideal para continuar a progredir: «Aqui, tenho um grupo de treino e estou muito mais focado. De início, senti um pouco a dificuldade de me treinar em altitude, mas, como sou africano, adapto-me bem. Se tudo correr bem, estarei presente nos Jogos Olímpicos de Paris, pois Cabo Verde tem uma vaga em aberto e bastará concluir a prova para estar nos Jogos. De qualquer modo, aponto para uma marca a rondar as 2h12/2h13; se me sentir bem, perto do fim poderei arriscar um pouco mais.»
Os treinos no Quénia têm corrido bem e Freire está satisfeito. «Com a ajuda do professor António Sousa e do Samuel, julgo que darei mais um passo para melhorar as minhas marcas. Acho que estou no caminho certo. Naquele treino longo com aqueles craques todos, preferi abrandar um pouco e fazer a sessão mais devagar, porque percebi que não estava no comboio certo. Mas sinto que um atleta, para chegar perto dos meus limites, tem de vir para a altitude.»
Kelvin Kiptum e A BOLA
Esta foto, tirada por António Sousa, treinador de Samuel Barata, a 23 de janeiro deste ano, era para ficar, sossegada, no álbum de memórias do jornalista de A BOLA. Porém, infelizmente, como mera forma de homenagem ao agora falecido Kelvin Kiptum, aqui fica ela, pública. Tínhamos acabado de aterrar em Eldoret quando, já no exterior do aeroporto, Samuel Barata nos disse: «Olha, o Kiptum!» E era. O recordista do mundo da maratona estava ali, ao nosso lado, à espera da família. Restavam-lhe 19 dias de vida e, claro, ninguém o sabia. Tirou fotos comigo e com o Samuel, sempre com um sorriso meio envergonhado. Quase todos o apontavam como primeiro homem a correr a maratona, em condições regulamentares, abaixo das duas horas e lá para o verão, em Paris, deveria dar luta a Kipchoge pelo ouro olímpico. Não dará.