João Almeida escapou a banho de água quente

Ciclismo João Almeida escapou a banho de água quente

CICLISMO24.05.202315:57

Na história da Volta à Itália, poucas montanhas conseguiram ser tão cruéis e impiedosas como o Monte Bondone, onde João Almeida foi o vencedor na presente edição da competição. A primeira vez que foi incluído no percurso aconteceu em 1956, com uma etapa que teve partida de Merano com a extensão de 242 quilómetros, a penúltima da competição que dois dias depois terminou em Milão.

Uma tempestade de neve massacrou o pelotão, na qual o luxemburguês Charly Gaul, apelidado de «anjo da montanha» foi figura de destaque. Naquela manhã chovia em Merano e um vento gelado prenunciava uma etapa com poucos sobreviventes, até porque as subidas de Costalunga, Robbe, Gobbera e Brocon, tiveram de ser ultrapassadas antes do Monte Bondone.

Charly Gaul, tímido e reservado fora da sua bicicleta, mas selvagem e imprudente quando estava em competição, partiu ao ataque desde as primeiras rampas, enquanto o tempo piorava quilómetro após quilómetro e os ciclistas desistiam, incluindo o camisola rosa, Pasquale Fornara, que foi forçado a abandonar por decisão do seu diretor desportivo, apesar de ter mais de 16 minutos de vantagem sobre Gaul.

A tempestade de neve sobre Bondone colocou em dificuldades Charly Gaul, que mesmo cambaleando continuou através do nevoeiro e das paredes de neve e chegar à meta como vencedor. Parcialmente congelado, ele teve de ser puxado da bicicleta, desmaiou, cortaram a sua camisola com uma faca e levaram-no para o hotel, sendo colocado numa banheira com água quente, fazendo uma hidromassagem durante uma hora. Depois de alguns minutos, caiu em si e disseram-lhe que tinha conquistado a camisola rosa e estava a um passo de vencer o seu primeiro Giro d’Itália.

Naquele dia, em segundo lugar, com um atraso de quase oito minutos, chegou Alessandro Fantini, o terceiro foi Fiorenzo Magni, com mais 12 minutos, que com uma fratura no ombro segurava o guiador da bicicleta com um pneu cerrado entre os dentes. Metade do pelotão desistiu, numa etapa que os ciclistas foram levados ao limite, segundo as crónicas dos jornais da época.

A experiência extrema agradou aos adeptos do ciclismo, pelo que o Monte Bondone também foi incluído na edição de 1957, com a etapa Como - Monte Bondone com 242 quilómetros. Desta vez tudo foi diferente, porque o tempo estava do lado dos corredores e a camisola rosa Charly Gaul, pronto para regressar à montanha que o tornou quase como um herói.   

O luxemburguês é o mais forte nas subidas, mas os duros Louison Bobet e Gastone Nencini não ficavam muito atrás. Naquele ano e pela primeira vez a televisão efetuava a cobertura da Volta à Itália, Gaul apontado como o grande favorito, não perdia a oportunidade de se exibir, atacar e ficar na frente. Sentia-se intocável com a camisola rosa, superiora a todos, mas nesse dia Bondone cometeu um erro fatal. Com cerca de 90 quilómetros percorridos, decidiu parar para satisfazer as necessidades fisiológicas, e, ao fazê-lo um pequeno grupo passou por todos os favoritos que também tinham parado pelo mesmo motivo.

Segundo o companheiro de equipa de Bobet, Raphael Géminiani, quando Gaul chamou a atenção do rival francês, ele começou a gozar e acusou Bobet como um francês orgulhoso, para que levantasse o dedo médio e convencesse o pelotão a estar contra o camisola rosa. A etapa aqueceu mais cedo do que se esperava e Gaul foi obrigado a perseguir o pelotão até às primeiras rampas de Bondone quando já perdia dois minutos, com Gastone Nencini a conquistar a liderança e a camisola rosa.

Depois das emoções nas duas primeiras chegadas históricas, era inevitável que Monte Bondone se tornasse um marco na Volta à Itália. Já foi incluído no percurso por 14 vezes, existindo vários caminhos para chegar ao cume situado a 1.650 metros de altitude. Existem três vertentes a destacar, o mais duro e romântico por Trento (173 km com 8,2% de desnível), pelo lado de Aldeno (21,4 km a 6,7%), disputado pela primeira vez em 1973 e Valle di Laghi (34,4 km a 4,8%), a mais longa e mais suave.