Emoção, lágrimas do nosso companheiro e familiares, mas muitos sorrisos por um reconhecimento que a organização da Volta a Portugal, a Federação Portuguesa de Ciclismo e outras entidades proporcionaram neste dia, pela manhã, à partida da 4.ª etapa, em Estremoz, ao nosso companheiro de trabalho Fernando Emílio, de 76 anos, jornalista de A BOLA e decano dos profissionais da informação especializados na modalidade das duas rodas, por ocasião daquela que é a sua 50.ª cobertura da Volta. Com Vítor Serpa, diretor de A BOLA 30 anos (1992 a 2022) e Conselheiro Editorial a representar ao mais alto nível institucional esta casa onde todos o apaparicam como a um predestinado deve suceder, um Rossio de Estremoz aplaudiu de pé o apaixonado sem par pela modalidade, que dissemina a paixão pelo ciclismo em todos os que toca há mais de meio século, e cujo conselho e palavra amiga fazem escola, amigos dos seus amigos, que multiplica e granjeia com a sua verticalidade, rigor, humor, sagacidade e tirada certeira. Fernando Emílio transpira jornalismo e ciclismo por todos os poros. É o ‘monstro’, o patamar que todos, mais do que quererem um dia atingir, reverenciam. Porque estimam, como a equipa de reportagem de A BOLA pode testemunhar junto de todos os que o tem ajudado nesta fase, em que a saúde lhe pregou uma rasteira mas que o ‘Ti Emílio’ – ‘Lurdinhas’, para quase todos – teima, e bem, em superar. Um português – alentejano, natural do Ciborro (Montemor-o-Novo) e residente em Évora - e um jornalista e fã que sabe mais de ciclismo a dormir do que muitos aprendizes do ofício da escrita e jornalismo todos juntos e acordados. Mas que alarde algum faz disso, antes primando pela humildade, convívio e boa disposição insuperáveis. Mas o Fernando Emílio chorou ao vestir a camisola amarela que Joaquim Gomes, diretor da Volta a Portugal, lhe ofereceu… para, segundos depois, também ele não evitar o sorriso ao ver que o tamanho S em corpo XXL é paradoxo e impossibilidade metafísica. «É uma figura incontornável do ciclismo e do jornalismo português», resumiu o diretor da Volta, Joaquim Gomes, antes de José Daniel Sadio, autarca de Estremoz, o presentear com um típico boneco local. Já Delmino Pereira, presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo, também sorria ao ver o nosso ‘Ti Emílio’ a ver-lhe retribuída meia centena de Voltas e a dedicação de uma vida ao jornalismo e ciclismo: «Obrigada pelo seu amor ao ciclismo, do qual é conhecedor profundo e, enquanto jornalista, se tornou uma referência. A quem a FPV, na sua AG de 4 de abril do corrente ano, por unanimidade aprovou atribuir a condição de Sócio de Mérito, e o respetivo diploma, neste dia recebido. O nosso diretor de três décadas, Vítor Serpa, agradeceu o reconhecimento público, que cala fundo, a um homem não só mas muito de A BOLA, e que como poucos prestigia e contribui para engrandecer. «Estamos gratos à organização da Volta e à Federação Portuguesa de Ciclismo. Seguiu uma tradição do jornalismo desportivo que não no futebol em que A BOLA teve nomes como Carlos Miranda, ou o Carlos Pinhão. Também nós estamos gratos ao Fernando por tudo aquilo que tem dado à modalidade, não só pela promoção do ciclismo, que agora faz por ser justo para com o Fernando Emílio», sublinhou Vítor Serpa, antes de Olímpio Galvão, autarca de Montemor-o-Novo, oferecer um cachecol do Ciborro – cujo vice-presidente da junta de freguesia local, Jorge Miguel, também não faltou ao tributo singelo a quem tanto deu - ao nosso companheiro de ofício e mestre na arte da prosa sobre as duas rodas. Hernâni Broco (LAA) também lhe entregou uma lembrança, com a família mais próxima de Fernando Emílio por testemunha: a esposa, Maria Felizarda, os filhos Carlos e Nélson, a neta Inês, o neto Pedro (faltou a Sofia), e uma das noras Sónia, olhavam como o mundo do ciclismo e da informação venera e bebe os ensinamentos de quem nasceu para nos formar, informar e encantar. Deste seu discípulo e mísero aprendiz, que estas linhas mal-amanhadas e prosa esgalhada também de olhos marejados - pela justiça feita a uma figura ímpar e paternal de toda a classe - e sobre Fernando Emílio, só Pablo Neruda, adiantado no seu tempo, lhe tirou a pinta, como aquele cujo brilho é muito maor do que o corpo de onde emanam ofuscante luz e vida. «Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo». E o Fernando faz do ciclismo e o jornalismo uma festa. A Volta poderia e terá de seguir, um dia, sem ele, claro que se faz… mas não será a mesma coisa. Sabemo-lo. E o nosso Mestre, também. «Hoje estou um choramingas» Mas era o protagonista do dia, o ‘nosso’ camisola amarela perpétuo, que todos queriam ouvir. «É com muita alegria e emoção que tenho vivido este dia. Estou muito feliz por estar com os amigos, muitos que já partiram, e de ter subido a estrada da vida, vindo de uma aldeia pequena, como o Ciborro, e, com a 4.ª classe. É muita emoção, são dias difíceis de digerir, mas em frente», disse-nos o nosso ‘professor’ destas andanças, também ele 'Gente feliz com lágrimas', como na obra homónima do açoriano João de Melo. «Comecei de 'carroça', a termos de parar em todos os cafés e restaurantes a pedir chamadas para Lisboa para mandar o serviço para a rádio. Tive grandes mestres e amigos, como José Neves de Sousa, David Borges, Abel de Figueiredo, Artur Agostinho, Ribeiro Cristóvão. Acho que fui um bom aprendiz, tento ser um razoável professor agora. Hoje estou um choramingas, desculpem lá, o que é que querem, deu-me para isto, deu-me para aqui», foi a viagem no tempo que fez para os jornalistas, numa zona mista improvisada aos ‘discípulos’ de todos os media, temperada com a sinceridade e oratória única e desarmante de um ser humano capaz de colorir um céu plúmbeo. «Dedos de sapateiro» «Recordo ter sido o primeiro repórter a fazer, para a rádio, a Volta de moto. Ora a rádio vive de criatividade e improvisação, sem ‘paraquedas’. ‘Aquilo’ era de nos desenrascarmos de qualquer maneira, os meios tecnológicos não estavam nem aí para o que são hoje. Agora, com os telemóveis e todos os aparelhos, a minha neta dá-me 10 a 0. Mas também sempre tive dedos de sapateiro», confessou, com humor e a voz amiúde a embargar-se-lhe pela emoção. Aquele que sempre denunciou as notícias mais duras, o que sempre gera alguns anticorpos, continua igual aos que há décadas com ele privam. ‘«Continuo a ter a consciência tranquila, escrevi sempre a verdade. E orgulho-me de ter descoberto, nas rádios locais, vários muito bons repórteres. Nunca pensei, tendo crescido na rádio, que a escrita fosse também tão fascinante. Ainda não estou a 100 por cento [de saúde, convalescente], faltam os tais títulos bombásticos nas prosas, mas, com o tempo, isto vai lá», é esperança que ele e todos partilhamos. «Agradeço, do fundo do coração, a todos os que me ajudaram. Com boa disposição, vamos tentando fazer o possível», concluiu quem nem imaginamos como será um dia não termos ao nosso lado. Se há impagáveis nesta vida, capazes de nos ficar fazer noites inteiras a desfiar as «muitas, incontáveis estórias e memórias» da Volta, chama-se Fernando Emílio. Assina esta prosa alguém que já viu e testemunhou uma ínfima parte delas e cuja estima pelo mestre e homem do jornalismo, ciclismo e de A BOLA excede o respeito do um mero obrigado. Os diamantes são eternos, e Mestre Fernando Emílio é porto de abrigo seguro de ontem, hoje e no amanhã.