— Do anonimato, ou antes, de conhecida no mundo do breaking, para o estrelato. Aproxima-se Paris 2024 e as entrevistas sucedem-se. Foram muitas?— Já dei muitas entrevistas [solta uma gargalhada]. Fico mesmo contente, pelo menos, que assim consiga divulgar o breaking.— O breaking esteve nos Jogos Olímpicos da Juventude em Buenos Aires, em 2018. Será em Paris, uma única vez, modalidade olímpica. É um desporto ou é uma dança?—Acho que é a combinação perfeita entre os dois. Porque, temos que ter a mentalidade de atleta para cuidar do nosso corpo, para mantermo-nos aptos fisicamente, para conseguirmos fazer as nossas acrobacias. Temos de ter todo o tipo de precaução, de exercícios de aquecimento, flexibilidade, ou seja, toda a parte atlética. E de mentalidade. E aí, acho que não tínhamos muito. Porque a parte mental nos desportos é assim: mesmo que não goste de ir treinar ou de ir ao ginásio, vamos na mesma. Agora, isso pode ter uma consequência na parte da dança, que é matar um bocadinho o espírito da dança. — Pode concretizar?—Porque nós, ou antes, quando sou obrigada a dançar, eu não danço bem. Porque não me apetece dançar, estou a ser forçada. E, como transmito a linguagem com o meu corpo, provavelmente, vai-se notar na minha energia, na minha cara, e mesmo que tente fingir, não vou conseguir fingir assim tanto.— Onde entra a palavra arte no meio do desporto e da dança?—Tem de haver um meio-termo de artisticidade, em que tomamos tempo para deixar a inspiração e a motivação vir. A parte desportiva, se calhar acho que se aplica mais naquela parte de nos mantermos em forma do que propriamente estarmos a criar movimentos ou a dançar. — Mas não vão para a batalha [battle] só dançar e saltar, não é uma jam session. Nada é anárquico nos vossos movimentos, tudo é pensado e estudado. Ou não?—Temos a parte mais espontânea e improvisada, que é, se calhar, a parte entre os nossos sets. Temos pequenas fases de movimento e treinamos para não falhar estes movimentos. Por exemplo, há momentos em que precisamos de balanço e que não conseguimos mandar se for totalmente desprevenido. Precisamos de um movimento antes que nos prepare para o grande acontecimento e depois a receção. E esses momentos são planeados, que é para não cairmos, para não partir um braço. Mas depois, tudo o resto que vem a seguir, se calhar os segundos que vêm a seguir, há um bocadinho de improvisação até ao próximo set que usamos, é um bocadinho de freestyle de improvisação, espontaneidade, em que ganhamos pontos por isso. «Vou levar alguns truques. O facto de ser muito original e musical distingue- me das oponentes» — Quantos truques tem na manga para levar aos Jogos Olímpicos?— Alguns. O facto de ser muito original e musical distingue-me das minhas oponentes. Estar no meu perfeito estado de espírito vai-me ajudar a metê-las fora do jogo delas. — Treinou com a B-girl India (campeã do mundo 2022 e europeia, em 2023, de nacionalidade neerlandesa), que é sua oponente em Paris. Portanto, treina com alguém que vai lutar contra ti por uma medalha? Isto é pouco comum.— Exatamente. Mas isso é uma coisa que a nós não nos influencia muito a nível de competição. Se bem que possa ajudar, porque sabemos alguns movimentos uns dos outros, mas, apesar disso, posso até fazer o mesmo movimento, mas como são com músicas diferentes, em sítios diferentes, nunca vou conseguir replicar o mesmo movimento mais do que uma vez. Nunca vai ser igual. Isso é o que possibilita treinarmos juntas e, ainda assim, conseguir surpreender na competição. — No seu dia-a-dia está sempre com música nos ouvidos, a pensar em movimentos?— Por acaso, quando ouço uma música que gosto, uma coisa que faço é não pensar nos movimentos que já tenho, mas sim, como é que reajo a essa música e como é que eu posso trazer este sentimento para a minha dança. Porque, no meu dia-a-dia, não ouço as músicas que vão tocar nas competições. Nem sabemos quais serão.— Embora não saibam o reportório e as músicas não sejam iguais durante as batalhas, há um traço comum entre o que ouvem normalmente e o lhes aparece em provas?— Sim, sim. Digamos que a parte ritmada e o BPM [batidas por minuto] normalmente é mais ou menos o mesmo. Ou seja, vá ... consigo imaginar-me a dançar dentro de qualquer música que oiço. MENTAL LEVOU-A AO TOPO — Como divide o treino? Entre preparação mental e física? É 50-50, 40-60, ou não tem noção da divisão?— Agora tento que seja mais 50-50, porque, no ano passado, o que se notou um bocadinho durante a qualificação, que é muito longa para nós, é que descurei a minha parte mental, não tomei tanta atenção, o que quase que me levou a um burnout. Há que ter este cuidado: a mesma quantidade de tempo que dedicamos ao físico, temos que dedicar à mente.— E em concreto, na parte mental, o que faz?— Faço muita terapia, tento ir ao psicólogo de desporto, tento ter um bocadinho uma ajuda de fora, para que consiga ter um melhor outcome [resultado] na minha modalidade. — Portanto, todos estes índices competitivos a que a modalidade chegou, obriga os B-breakers a fazer igual a que outros, noutras modalidades e desportos, já fazem?— Evidente.— Teve essa noção clara da necessidade de introduzir a parte física e mental e que não era só apenas dançar?—Sim. Um exemplo muito rápido. Quando fiz a qualificação em Xangai (maio), dois meses antes tinha partido o cotovelo. Ou seja, a minha recuperação não foi como a das outras meninas que estiveram 100 por cento durante os cinco meses até à competição. Foi a parte mental, estava tão bem de espírito, que me ajudou a chegar ao top-8. Porque se eu estivesse tão preocupada, se calhar, com a parte física, em pensar: não vou conseguir fazer este movimento, não vou conseguir fazer o outro, então, o que é que eu vou fazer? Porque, estou a competir com miúdas que estão a treinar a 100%, o que é que eu vou lá fazer? Não vou fazer nada. Mas, o facto de ter a mente no estado certo, na motivação correta, ajudou-me a ultrapassar alguns obstáculos.