Ana Monteiro: «Tinha medo do final da carreira e sofri com isso. Afinal esta fase foi tranquila»
Única nadadora portuguesa a ter conseguido disputar uma meia-final olímpica, em Tóquio-2020, a internacional do Vilacondense retirou-se do alto rendimento no verão, mas este mês ainda foi ajudar o clube a manter-se na I Divisão no Nacional de clubes. Afinal a transição para a carreira 'civil' está a ser mais tranquila do que temia e já encontrou novos rumos para traçar objetivos na vida, alguns deles mantendo-se ligada ao desporto.
Única portuguesa a ter competido numa meia-final olímpica de natação, 200 mariposa, nos Jogos de Tóquio-2020, Ana Monteiro deixou o alto rendimento na passada temporada com a participação nos Nacionais realizados no Jamor, em julho, e deixando como legado ativo um recorde de Portugal nos 200 mariposa e para a história dezenas de marcas.
«Era um momento do qual tinha muito medo, este final de carreira, e acabei por sofrer muito com isso nos últimos dois anos. Se calhar, deixei de desfrutar e aproveitar algumas coisas com o medo de aproximar do acabar. Agora que acabei, esta fase final foi muito mais tranquila e consegui vivê-la muito melhor do que nos dois anos que antecederam», começou por referir a internacional do Vilacondense em entrevista à Lusa.
O 11.º lugar nos Jogos Tóquio-2020, nos 200 mariposa, a sua distância predileta e em que se mantém como recordista nacional (2.08,03 m, em 2018), foi o ponto mais significativo da carreira, como única portuguesa a atingir uma meia-final olímpica, mas há muitos outros destaques.
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A vilacondense logrou duas medalhas de prata em duas edições diferentes de Jogos do Mediterrâneo, competiu na International Swim League, única lusa a fazê-lo, e foi quinta nos Europeus Glasgow-2018, vivendo, aos 31 anos, uma nova fase, política, da vida, como vereadora na Câmara de Vila do Conde, em fevereiro, deixando o alto rendimento em 14 de julho.
Nos últimos anos, especialmente no último, senti que a minha paixão pela competição não era já a mesma. Tinha assumido o compromisso de lutar até final pelos Jogos [Paris-2024], e foi o que fiz
Em dezembro de um 2024 que terminou ao serviço do seu Vilacondense de sempre, nos Nacionais de clubes, ajudando a manter o emblema na I Divisão, Monteiro é uma das ausências notadas do alto rendimento nacional.
Homenageada por todos nos Nacionais, em julho, honra que se estendeu ao treinador Fábio Pereira, Ana Catarina sente que não só os resultados, mas «a forma de estar», falaram mais alto ao longo da carreira entre a elite.
«Como encarei todo o meu percurso marcou a diferença nos mais novos. Essa é a melhor recompensa que podemos ter. Nos últimos anos, especialmente no último, senti que a minha paixão pela competição não era já a mesma. Tinha assumido o compromisso de lutar até final pelos Jogos [Paris-2024], e foi o que fiz», diz.
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A licenciada em Bioengenharia, na Universidade do Porto, sentia que «faltava algo« durante as últimas épocas, com vista a Paris-2024, por que lutou até ao último dia pelos mínimos, e acabou por entender que o compromisso com o alto rendimento «já não fazia sentido».
Agora percebo que se calhar a minha paixão para competir não era já a mesma. Olho para trás, e em março, após o Nacional e não conseguir mínimos para o Europeu, sabendo que estava a três meses de completar o que me comprometi
«Está a ser uma transição tranquila, e para mim muito importante. (...) Já tinha definido na cabeça, desde que comecei o ciclo, que Paris-2024 seria o meu último grande objetivo na alta competição», admite.
Apesar de o saber, 2024 acabou por ser «dos anos mais difíceis da carreira a nível psicológico».
«Treinava e as coisas não saíam. Agora percebo que se calhar a minha paixão para competir não era já a mesma. Olho para trás, e em março, após o Nacional e não conseguir mínimos para o Europeu, sabendo que estava a três meses de completar o que me comprometi, foi a primeira vez na carreira que pensei: ‘não dá mais, vou ter de parar’», vai contando.
e saber que o melhor tempo podia ter dado uma final deixou uma sensação agridoce
O trabalho fê-la perceber que, depois da prioridade dada à natação, podia encontrar noutras funções a mesma dedicação não só à modalidade, continuando a nadar e a treinar, a sentir «a paixão» pelas piscinas e o treino, como ao trabalho comunitário que sempre sobressaiu da sua postura.
Em Tóquio-2020, apesar de fazer história, não ter chegado ao recorde nacional, por não estar na melhor forma, «e saber que o melhor tempo podia ter dado uma final deixou uma sensação agridoce», mas o feito inédito só a pode deixar «orgulhosa».
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Sinto que tenho missão cumprida. Não podia ter feito mais do que o que fiz. Se voltasse atrás, poucas seriam as coisas que mudava. Ter esta sensação de que fiz tudo o que podia e as coisas surgiram é a melhor sensação que podemos ter. (...) Mais do que resultados, associo cada um desses momentos a histórias com outras pessoas. São momentos que ficam para sempre», atira.
Como uma atleta que viveu tanto tempo no alto rendimento, a partilha de algumas experiências, se puder, com a minha experiência, contribuir para melhores condições para os atletas
E, nisso, a importância da conduta e da ética é o que lhe fica. «Para mim, a grande vitória na minha carreira foi ter conseguido marcar a diferença, o meu lugar, pela forma como estive nas piscinas», reforça.
Ana Monteiro pode ter-se despedido do alto rendimento no verão, mas vai manter-se ligada a Vila do Conde, onde é vereadora, e à natação. Paixões de uma vida.
«Ainda gostava de contribuir para a geração atual e para as futuras de alguma forma. Como uma atleta que viveu tanto tempo no alto rendimento, a partilha de algumas experiências, se puder, com a minha experiência, contribuir para melhores condições para os atletas, estarei sempre disponível», reforça.
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Quer seguir, então, «ligada ao desporto, contribuir para a evolução do desporto em Vila do Conde», uma cidade que a tem «muito apaixonada» e em que é vereadora com os pelouros da juventude, relações internacionais e defesa do consumidor.
Ana já tinha sido embaixadora da candidatura vila-condense a capital europeia da juventude 2026, tendo aos 31 anos um desígnio de «retribuir» à cidade.
Nunca imaginei chegar onde cheguei. O caminho foi sendo gradual, passo a passo. Fui conquistando, e isso facilitou muito. Sempre que terminava uma competição, pensava em fazer um bocadinho melhor
«Deu-me muito. Consegui fazer todo o meu percurso em Vila do Conde, tive tudo o que precisava sem ter de sair de casa. Quero retribuir e dar o meu melhor para que cresça, e que posa dar um contributo nesse sentido», afirma.
Quer também contribuir «para a melhoria das condições dos atletas», depois de uma carreira sem paralelo na história da natação portuguesa, de que faz «um balanço positivo».
«Nunca imaginei chegar onde cheguei. O caminho foi sendo gradual, passo a passo. Fui conquistando, e isso facilitou muito. Sempre que terminava uma competição, pensava em fazer um bocadinho melhor. Consegui sempre valorizar o que tinha feito. Pensava no que tinha conquistado e no que podia trabalhar para fazer melhor. Há uma certa diferença no valorizar cada resultado», reflete.
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A Tamila Holub também foi muito importante. Lembro-me de ir buscar a Tamila à Campanhã quando ela foi campeã da Europa [júnior, em 2016]
Na mudança da guarda na natação portuguesa, lembra uma «cumplicidade muito grande» com Ana Rodrigues, que muito elogia após partilhar o caminho com essa nadadora olímpica, no caso em Londres-2012, e aponta para Camila Rebelo (Louzan Natação), Francisca Martins (Foca) e Mariana Cunha (Colégio Efanor), o futuro.
«Temos uma relação de amizade incrível. Esta passagem de testemunho é muito importante. A Tamila Holub também foi muito importante. Lembro-me de ir buscar a Tamila à Campanhã quando ela foi campeã da Europa [júnior, em 2016]. Acompanhei todo o seu percurso. A Tamila, mesmo assim, tem menos cinco ou seis anos, e trata-me por mãe».
Foi com ela que partilhei grande parte do percurso, e todos os dias me ensinou que é possível fazer um bocadinho mais. Nunca vou esquecer o dia em que as duas alcançamos o mínimo olímpico [para Tóquio-2020]
«O passar várias gerações é muito importante. Tentamos passar a mensagem daquilo que vivemos, da nossa experiência, para os mais novos. Algumas atletas olharam-nos como exemplo e agora sentem que têm na mão delas a responsabilidade de liderança», comenta.
Ana Catarina Monteiro elogia uma veterana que se mantém no seio desta família’, Diana Durães (Benfica), «com um caminho muito especial« e a quem caberá, porventura, «o papel de ser a líder do grupo», com «muito para dar».
«Foi com ela que partilhei grande parte do percurso, e todos os dias me ensinou que é possível fazer um bocadinho mais. Nunca vou esquecer o dia em que as duas alcançamos o mínimo olímpico [para Tóquio-2020]», rematou.