No Rossio ao Sul do Tejo (Abrantes), palco da partida da 2.ª etapa da Volta, ao início da tarde desta sexta-feira - até Vila Franca de Xira -, e a poucos metros do majestoso rio, um pescador não estava nem ali para a animação da prova, pois está habituado a ares mais brancos e gelados, os da Gronelândia, de onde traz para a família e amigos ‘recuerdos’ de intrigar qualquer um: brincos de ouvido de bacalhau ou até de osso de baleia-unicórnio, o equivalente ao boné ou camisola de uma das equipas do pelotão na longínqua Ilulissat, onde Ricardo Araújo manobra maquinaria pesada. Natural da de Alfândega da Fé mas a residir em Cabeço de Vide, Ricardo, de 44 anos, espera que a linha estique ou o anzol, por artes mágicas, se mova freneticamente no ali barrento rio. Mau para o peixe? «É mais fácil apanhar bacalhaus na Gronelândia. Em breve volto para lá, é o meu trabalho, maquinaria pesada, estão a construir um aeroporto internacional em Ilulissat. Aqui dá mais bogas e carpas», diz a A BOLA, bem-disposto, quem tem como mais próxima experiência das bicicletas incursões no gelo do gigantesco território gelado sob soberania dinamarquesa, e que é a Europa literalmente colada à América do Norte, algo só vagamente parecido. «Havias de ver uma corrida de moto de neve no gelo. Sim, aquilo é a sério, dá ‘pica’, é muito divertido. A pesca, essa relaxa-me. Isto são as minhas férias, venho todos os anos a Portugal, por nada troco. Lá, é um frio dos diabos, mas caçam focas e pescam baleias, os tipos e o barco da National Geographic anda sempre por lá. E bacalhaus, claro», sublinhou a A BOLA, entusiasmado por o País reparar no Médio Tejo e promovê-lo, enquanto nos mostra o isco próprio – reluzente, brilhante, em forma de… peixe, de metal – para a compra do peixe que não pode faltar na mesa da consoada lusa. Mas o farnel ao lado denuncia ter margem de manobra de um veraneante avisado. «O pescador leva sempre comida, porque nunca pode estar a fazer contas com o peixe», disse-nos este emigrante, que admite serem «as saudades da cozinha portuguesa o que mais custa», lá longe, meses a fio. «Ao menos há vinho português, a €68 o pacote. É uma empresa de Lisboa que fornece. O tabaco custa €122 o conjunto de dez maços. E eu nunca vi um bago de uva plantado em Lisboa. Valha-nos isso», revela um veraneante entusiasmado pela movimentação que abalou a pacatez bucólica à beira do Tejo neste dia. O que nunca falta para a família – que, paciente, aguarda, junto de si, apreciando o chilrear da passarada e usufruindo da brisa possível à sombra na beira do majestoso Tejo, são os tais ‘souvenirs’ de espantar, feitos do que a natureza permite no território gelado, de glaciares, frio, gelo e branco, a antítese dos 34 graus na cidade ribatejana. «É o que há, aproveita-se tudo o que se pode, como se pode». Ou seja, a Gronelândia e residir lá, emigrado, meses a fio, é um desafio de vida e teste que «não é fácil», diz quem sabe que o aumento do custo de vida, da comida, das prestações mensais da casa ou o aluguer também não facilitam a vida aos portugueses. «Há que agarrarmo-nos ao que temos, como podemos. Ainda bem que a Volta alegra a ‘malta’», admitiu um dos que longe, sentem e saboreiam mais estes recantos paradisíacos de Portugal: sentem-lhes a falta na pele, lá longe, e dão-lhes muito mais valor.