Assinala-se neste dia 9 de abril o centenário do mestre Kiyoshi Kobayashi, antigo militar e médico japonês que revolucionou o judo em Portugal e cujos ensinamentos continuam presentes entre aqueles que lidaram com ele e os que só conhecem a lenda. Além de mestre da segunda modalidade que mais medalhas olímpicas garantiu a Portugal, a importância de Kobayashi vai muito além do desporto
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CENTENÁRIO DE KOBAYASHI 100 anos do Kamikaze que resistiu ao destino e fez de Portugal uma potência

JUDO09.04.202510:30

Celebra-se nesta quarta-feira o centenário de Kiyoshi Kobayashi, considerado «o pai do judo» em Portugal. Mas foi muito mais do que isso o mestre japonês que chegou ao nosso país para ficar dois anos e ficou quase 50, mudando-o definitivamente

«Isto dá-me anos de vida! Com esta idade, se não fosse o judo, eu já teria partido. Sem dúvida!»

O dia ainda não nasceu e mais de uma dezena de pessoas já se equipa nos balneários do Judo Clube de Portugal, em Campolide. É sexta-feira e ali é assim há quase 50 anos. A aula das 7h00 da manhã, mais do que hábito, é já tradição.

Uma tradição que talvez tenha salvado a vida de António Mingodes Cunha. Ou só Mingodes Cunha, como insiste em ser chamado. Ele não falha a aula por nada. Há 45 anos!

Os 85 anos de idade jamais lhe servem de desculpa. O aparelho auditivo saltar-lhe a meio de um exercício não lhe abala minimamente o amor ao judo. Pelo contrário. Tão pouco o facto de ter sair da margem sul do Tejo ainda antes das 6h00 da manhã. Ou de ter de voltar logo após a aula para ir abrir o seu pronto a vestir. Um negócio que, assegura, só consegue manter pela vitalidade que o judo lhe dá. Nada o demove.

«Venho aqui e saio sempre bem-disposto. É uma maravilha a energia que dá para o resto do dia. O judo ajuda-me em tudo. Eu era uma pessoa nervosa, muito acelerado. Cheguei a usar pistola! Porque era comerciante e estava autorizado. Uns dois ou três meses depois de começar o judo, arrumei a pistola. E nunca mais a usei», orgulha-se.

Mingodes Cunha, em primeiro plano, na aula das 7h00 da manhã no Judo Clube de Portugal
Mingodes Cunha, em primeiro plano, na aula das 7h00 da manhã no Judo Clube de Portugal (Ivo Martins)

Quando se pensa no legado de Kiyoshi Kobayashi em Portugal, é normal esquecer-se o senhor Mingodes Cunha.

Mas não foi apenas o judo que o mestre japonês revolucionou em Portugal. O homem nascido em Morita no dia 9 de abril de 1925, que celebraria 100 anos nesta quarta-feira, promoveu várias revoluções no país. Trouxe a cultura japonesa em estado puro. Implementou a medicina oriental. Fez pontes para a chegada da tecnologia nipónica.

E com tudo isso, mudou a vida de pessoas dos mais variados setores. Mesmo sem se aperceber, Kobayashi fez de Portugal uma missão. E cumpriu-a em pleno.

Kiyoshi Kobayashi foi alvo de várias homenagens, aqui na gala da confederacao do desporto de Portugal, em 2009
Kiyoshi Kobayashi foi alvo de várias homenagens, aqui na gala da confederação do desporto de Portugal, em 2009 (A BOLA)

De Kamikaze a adido cultural

Como qualquer japonês nascido na primeira metade do século XX, a vida de Kiyoshi Kobayashi ficou profundamente marcada pela 2.ª Guerra Mundial. Mas nele, essa ferida nunca sarou definitivamente. Afinal, ele pertencia ao esquadrão de Kamikazes, pilotos suicidas cuja missão era conduzir aviões carregados de explosivos contra alvos dos Aliados.

«O meu pai dizia que não se sentia honrado pelo serviço militar que fez, porque pertencia a uma tropa de elite e não tinha cumprido a sua missão. Porque não tinha morrido ao serviço do Japão, conforme se tinha comprometido em juramento», explica Renato Kobayashi, filho do mestre, em conversa com A BOLA.

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Mesmo que esse peso lhe tenha permanecido, só o facto de ter escapado ao destino permitiu vir a conhecer Portugal em agosto de 1958, num périplo que já o fizera passar por mais de 10 países, espalhados por Europa, Ásia, África e América. Mas seria aqui que iria gravar o nome na história.

O mestre Kiyoshi Kobayashi
O mestre Kiyoshi Kobayashi (A BOLA)

«O mestre chegou a Portugal como adido cultural da embaixada do Japão, numa divulgação de charme que o governo japonês estava a fazer, após a 2.ª Guerra Mundial. Eles queriam mostrar a riqueza da cultura e tradição e divulgar o judo. O meu pai vinha por dois anos e acabou por ficar mais de 50», sorri Renato, que nasceu em Portugal em 1964.

Renato Kobayashi, filho do mestre Kiyoshi, no tatami do Judo Clube de Portugal
Renato Kobayashi, filho do mestre Kiyoshi, foi olímpico por Portugal em Seul 1988 (Ivo Martins)

Apesar de haver registo de mestres de judo em Portugal algumas décadas antes de Kobayashi aterrar em solo luso, é com o carismático nipónico que se dá o salto na modalidade que atualmente é, a par da vela, a segunda que mais medalhas olímpicas deu a Portugal, apenas superada pelo atletismo.

«O judo que havia tinha a influência de um mestre belga e outro francês, que de uma forma muito básica, davam as bases da modalidade. O meu pai vem diretamente da origem do judo e traz toda a tradição na sua essência. E era um executante artístico, do ponto de vista técnico, reconhecido por todos», começa por contextualizar o filho do mestre, também judoca, que participou nos Jogos Olímpicos de Seul 1988.

O mestre Kiyoshi Kobayashi (centro) na inaguracao do instituto batizado com o seu nome
O mestre Kiyoshi Kobayashi (centro) na inaguracao do instituto batizado com o seu nome (A BOLA)

Há ainda uma outra vertente que Kobayashi traz com ele. «A experiência que já tinha, permitiu-lhe incutir uma organização que sustenta o judo. Com ele, deixou de ser uma classe de amigos, que se juntavam em qualquer pequeno espaço, para criar o conceito de clube e de pertença a uma arte. E essa arte, na altura muito mais marcial, rapidamente ganha dezenas e dezenas de adeptos», enaltece Renato.

Influência até às forças armadas

De forma natural, em 1959, Kobayashi - que chegou a 9.º Dan, a segunda graduação mais alta do judo, detida por menos de 10 judocas a nível mundial - promoveu o nascimento da Federação Portuguesa de Judo, e foi com ele como treinador que, dois anos depois uma comitiva lusa participou pela primeira vez no Campeonato do Mundo.

Numa dinâmica cada vez mais crescente, ajudou a fundar vários clubes e foi o responsável pela dinamização do judo no Sporting. Foi ainda selecionador nacional em três edições dos Jogos Olímpicos – Montreal 1976, Los Angeles 1984 e Seul 1988.

Rosa Mota e Kyoshi Kobayashi durante a Gala Anual de Judo
Rosa Mota e Kyoshi Kobayashi durante a Gala Anual de Judo, em 2002 (A BOLA)

Mas todo esse percurso só foi possível porque a influência que Kobayashi ganhou no país lhe deu uma dimensão para lá do desporto. Uma proposta do então Instituto Nacional de Educação Física, atual Faculdade de Motricidade Humana, permitiu-lhe permanecer no país, deixando a alçada direta da embaixada do Japão para ser professor da instituição. E a partir daí estendeu os seus serviços também às Forças Armadas.

Além de mestre de judo, Kobayashi era médico e tratou muita gente importante que tratava... como qualquer outro utente
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Seria por iniciativa e docência do mestre que a autodefesa passou a ser ensinada na Escola Naval, Escola de Fuzileiros, Academia da Força Aérea, Escola Superior de Polícia e na Academia Militar.

Toyota, Panasonic, Mitsubishi: tudo à boleia do mestre

Mestre de judo. Médico, que além de campeões olímpicos, teve na lista de utentes os antigos presidentes da República, Mário Soares e Ramalho Eanes, ou ainda o rei Juan Carlos de Espanha. Mas também embaixador. Ou sempre embaixador do Japão.
Os conhecimentos e confiança que Kiyoshi Kobayashi tinha no seu país de origem permitiu a Portugal ter contacto com marcas que hoje são conhecidas de todos.
Foi por influência de Kobayashi que Portugal recebeu a primeira fábrica da Toyota na Europa. Corria o ano de 1971 e a unidade que nasceu em Ovar ainda continua em produção. Mais tarde, fez também a ponte entre os dois países para a chegada de marcas como a Panasonic ou a Mitsubishi.

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«O mestre Kobayashi é o pai desta gente toda», atira a dada altura da conversa Mingodes Cunha, apontando para os seus colegas de tatami. Porque não era apenas o «pai do judo» o homem que morreu a 9 de setembro de 2013, em Tóquio, aos 88 anos.

Kiyoshi Kobayashi foi muito mais do que isso. E é por essa razão que a data se vai assinalar nesta quarta-feira, com um extenso programa marcado por inúmeras homenagens.

A abrir, lá estará o senhor Mingodes Cunha na aula das 7h00 da manhã. Desta vez, com muito mais judocas ao lado. A maioria deles, porém, não volta na sexta. E ele não faltará, certamente. Graças a Kiyoshi Kobayashi, o homem que fez nascer a aula que, há 45 anos, lhe salva a vida. Semana após semana.

Kyoshi Kobayashi quando era treinador de Nuno Delgado (A BOLA)