REPORTAGEM A BOLA Uma viagem às origens de Catamo: «É um milagre o que Amorim está a conseguir dele»
Hélder Duarte detetou extremo em programa de ‘caça-talentos’; aos 15 anos já liderava os mais velhos e foi o melhor entre 1200 candidatos; esteve a um passo de FC Porto e Benfica...
Artigo publicado originalmente a 21 de novembro de 2023
Para um treinador, um dos prazeres maiores é o da descoberta de diamantes em bruto para lapidar. Ser o primeiro a ver um enorme talento e desde o primeiro olhar antecipar cenários de futuro risonho, tanto quando os imponderáveis do futebol, como da vida, o permite. No caso do treinador Hélder Duarte – 41 anos, natural de Paredes e atual treinador do campeão Ferroviário da Beira, Moçambique – Geny Catamo será sempre um nome no arquivo das primeiras descobertas.
Inscreveram-se 1200 jovens, da capital moçambicana, mas também do Chibuto. E não esqueço a sensação de um deles, entre 1200, me ter chamado logo a atenção
«Fui a Maputo em 2016, estava então ligado ao FC Porto, para um programa de Caça-Talentos de jovens jogadores moçambicanos. Inscreveram-se 1200 jovens, da capital moçambicana, mas também do Chibuto. E não esqueço a sensação de um deles, entre 1200, me ter chamado logo a atenção», comenta Hélder Duarte, num tom de voz que revela emoção, boas recordações, até orgulho.
«O Geny Catamo tinha 15 anos. Era franzino e dois a três anos mais novo do que a maioria dos restantes rapazes. Mas logo chamou a atenção por duas coisas: em primeiro lugar por encher o campo, fazia o que queria da bola. Uma grande técnica, velocidade, um talento puro; em segundo lugar pela personalidade. Sendo mais novo do que a maioria, era ele quem, em campo, mandava nos colegas, assumia a liderança», garante Hélder Duarte.
Na hora de tomar decisões, «escolher o Geny Catamo foi não só fácil como óbvio». «Entre os 1200 que participaram nesse Caça Talentos, Geny ficou em primeiro.»
Do Olival para Alcochete
A relação com o jovem moçambicano, hoje com 22 anos, não se ficou pela descoberta. Em 2018, Hélder Duarte fixa-se em Moçambique para dar corpo a um novo clube, criado de raiz, o Black Bulls, no âmbito de uma parceria com o FC Porto. E Geny jogava sempre um escalão acima, por vezes dois, tendo sido campeão na formação pelo Black Bulls.
Ao abrigo do referido protocolo com o FC Porto, os melhores jogadores do Black Bulls, ainda em 2018 deslocaram-se à Invicta para jogos com a formação dos dragões. Catamo agradou, mas problemas burocráticos, no início, e visões diferentes quanto ao modelo de transferência com o Black Bulls impediram que Catamo se transferisse para os dragões. Ainda fez uma experiência na formação do Benfica, mas também não foi na Luz que ficou. Acabou por rumar ao Amora, clube detido por investimento moçambicano. Amora então treinado por Pedro Russiano, que, percebendo o talento, lapidou Catamo e trabalhou na vertente física, tática e até cultural, ajudando-o a que se adaptasse ao chamado futebol europeu. Não será difícil perceber que o Sporting entra no radar e, ao contrário do que tinha acontecido com FC Porto e Benfica, o acordo entre leões e Black Bulls foi alcançado e Geny mudou-se de armas e bagagens para Alcochete.
Hélder Duarte ainda fez força para que Geny Catamo fosse emprestado pelo Sporting ao Famalicão, quando, em dezembro de 2021, integrou a equipa técnica de Rui Pedro Silva. Mas o jogador acabou por rumar a Guimarães e, depois, Marítimo. Passagens importantes para o seu crescimento, é certo, mas nas quais acabou por nunca confirmar o talento que lhe foi evidenciado desde tenra idade.
«Rúben Amorim mexe com ele»
Fácil será entender que Hélder Duarte nunca deixou de acompanhar a carreira de Geny Catamo. Os amores à primeira vista são assim, nunca se esquecem.
Evoluiu muito, em especial em termos físicos. Está um animal, vai para cima dos adversários sem medo
«Evoluiu muito, em especial em termos físicos. Está um animal, vai para cima dos adversários sem medo», enfatiza. Mas o que mais surpreende Hélder Duarte é a adaptação a lateral direito: «É um milagre o que Rúben Amorim está a conseguir de Geny Catamo. Ele nunca gostou muito de defender. Um talento puro, muito técnico, o tipo de jogador que só olha para a frente, vertiginoso, até febril, para quem as missões defensivas não eram as que mais gostava, naturalmente.»
É um milagre o que Rúben Amorim está a conseguir de Geny Catamo. Ele nunca gostou muito de defender. Um talento puro, muito técnico, o tipo de jogador que só olha para a frente, vertiginoso
Neste contexto, reforça Hélder Duarte, «o trabalho que Rúben Amorim está a fazer com ele é notável e o que ele já mostra em campo, a atacar e defender, marca a diferença entre um jogador muito talentosos para um jogador que, mantendo o talento, se torna relevante e completo».
E, sem se deter, junta: «Estou muito feliz pelo Geny e fiquei triste com esta lesão, uma contrariedade para quem está a fazer a evolução que se vê e ganhar claramente um espaço relevante na equipa.» O futuro? «Só pode ser risonho. Tem talento, está num clube e tem um treinador que acredita nele, que consegue até mexer, no bom sentido, com a cabeça dele… E tem uma característica importante e que é comum no jogador moçambicano: humildade, vontade de aprender e gratidão, ou seja, dá tudo por um treinador que o ajude, que ensina e que o entenda.»