Sporting: «Rui Patrício foi sempre o guarda-redes preferido»
Há 20 anos Hugo Cardoso esteve à porta da equipa principal do Sporting, incluído na fornada de Nani, Miguel Veloso, Moutinho e Djaló. Radicado em Lagos, ainda a jogar, revela grande carinho pelos leões
Duas décadas depois de ter-se sagrado campeão nacional de juniores pelo Sporting, em 2004/2005, com Paulo Bento no comando técnico, Hugo Cardoso conta a A BOLA o que aconteceu para não ter continuado de leão ao peito.
«Na altura a transição da idade de júnior para sénior era mais difícil, não havia equipas B nem sub-23. Propuseram continuar no Sporting, mas nesse ano tinha de dividir o lugar com o Rui [Patrício], que vinha dos juvenis, e para mim, como guarda-redes mais velho, senti que isso ia esconder as minhas qualidades, que não ia ser benéfico para mim, a minha ambição era tão grande de querer chegar à equipa principal. A solução foi sair por empréstimo e apareceu o Estrela da Amadora, assinei contrato e aos 17 anos já era profissional», conta.
E passados 20 anos arrepende-se de ter tomado essa decisão? A resposta demora: «Não sei. Sinceramente. A minha mulher e principalmente o meu filho perguntam-me muito o porquê de não ter ficado no Sporting... Não sei como é que poderiam ter sido as coisas. Na altura a minha decisão foi mais porque eu queria muito jogar e sabia que a grande aposta seria no Rui, sempre foi o guarda-redes preferido, tanto que houve muitos guarda-redes que também acabaram por sair.»
Apesar de tudo, Cardoso está bem resolvido com o seu passado e grato ao clube de Alvalade. «Sinto um orgulho enorme por ter passado pela formação do Sporting. Por tudo o que aprendi, cresci muito como homem, como guarda-redes. Na altura tínhamos uma estrutura brutal. Nesse ano ganhámos tudo. O Sporting não ganhava o campeonato de juniores há oito anos e lembro-me perfeitamente que no dia da apresentação o mister Paulo Bento escreveu um oito no quadro e perguntou, ‘sabem porque é que escrevi este número?’ E ninguém sabia responder. E conseguimos ser campeões, no último jogo frente ao Benfica, estivemos a perder e depois ganhámos 4-1», conta, de sorriso nos lábios.
ENAKARHIRE E OS NARIZES PARTIDOS
E, tal como diz o ditado, a sorte de uns é o azar de outros, Hugo Cardoso foi chamado por José Peseiro aos treinos da equipa principal: «Foi uma história surreal. O Enakarhire, um central nigeriano muito forte fisicamente, tinha partido a cana do nariz aos dois guarda-redes, o Nélson e o Tiago, num treino [risos]. O Mário Felgueiras estava nos sub-21 e o mister Leonel Pontes ligou-me, não atendi, e ele deixou-me uma mensagem no gravador a dizer que no dia seguinte tinha de me apresentar na academia para treinar aqui com a equipa A...»
«SENHOR PEDRO BARBOSA»
Escusado será dizer que nessa noite nem dormiu, tal era a ansiedade. «Estava super nervoso, as pernas tremiam por todo o lado, parece que uma pessoa quer falar e as palavras não saem. Entrei no balneário, fiquei quieto à espera de que todos se sentassem. O Pedro Barbosa veio ter comigo a perguntar porque estava ali de pé e eu respondi ‘Senhor Pedro Barbosa não sei onde me sentar [risos]’ e depois ele indicou-me um lugar.»
Radicado no Algarve, aos 37 anos, Hugo Cardoso sente-se em forma para continuar a defender a baliza do Esperança de Lagos, clube onde chegou em 2022: «É uma divisão dura, a distrital. Descemos há dois anos, mas vamos lutar para regressar aos nacionais. Aos mais jovens do plantel vou passando a minha experiência, dando alguns conselhos, indicações, ajudo-os e digo-lhes muitas vezes que se querem ter sucesso tem de ser sempre com trabalho, sacrifício, dedicação e compromisso. São as palavras que nunca podemos negociar no futebol, têm de estar sempre presente no nosso dia a dia.»
Acidente de mota quase lhe roubou o sonho
Era jogador do Estrela da Amadora, as coisas corriam-lhe bem, mas um acidente de mota, quando ia buscar roupa à lavandaria para seguir para a Beloura, onde a equipa da Amadora estagiava, quase lhe roubou o sonho de jogar. «Isso foi o que me destruiu. Tinha uma proposta do PSV, era o empresário Formosinho, já falecido, que estava a tratar do processo. O acidente destruiu praticamente metade da minha carreira toda. Estive meio ano parado, problemas num joelho e num pé… Nunca mais andei de mota», lamenta.
Paulo Fonseca, agora treinador do Milan, estendeu-lhe a mão: «Foi o meu anjo da guarda. Gostava muito de mim e ajudou-me sempre, apostando em mim para os clubes por onde passava.» Hugo Cardoso esteve por três vezes à porta da Liga — Vitória de Setúbal, Belenenses e Nacional — mas as transferências acabaram por não se concretizar e o guardião acabou por nunca entrar no principal escalão do futebol nacional: «Se não tivesse sido o acidente… Não digo que era o melhor dos melhores, mas estava no topo.»
Mensagem aos jovens em Lagos
Fazendo-se valer da sua experiência, através de A BOLA, Hugo Cardoso deixa uma mensagens aos jovens que Rúben Amorim incluiu no lote de 29 jogadores que se encontram a cumprir estágio de pré-época em Lagos, 18 dos quais são formados no clube de Alvalade.
«A juventude hoje em dia liga muito às botas bonitas, aos cabelos arranjadinhos e a esse tipo de coisas, mas é importante ouvirem sempre os mais velhos. Por algum motivo o Rúben Amorim quis e parece que ainda quer manter o Neto no Sporting, que fazia parte do lote de capitães com Adán e Coates. Digo-lhes que sigam as indicações dos mais velhos, porque eles já têm muita bagagem na carreira e sabem o caminho certo para o sucesso. Se estão a ter oportunidades, agarrem-nas e trabalhem duro, pois só assim se consegue alcançar os objetivos num clube grande como é o Sporting.»