CRÓNICAS DE UM MUNDO NOVO Sporting, 20 anos depois (artigo de José Manuel Delgado)
Passam hoje vinte anos sobre o fim do primeiro jejum leonino de títulos de 18 anos, entre a conquista de Malcolm Allison em 1982 e o triunfo de Augusto Inácio, em 2000. Esses 18 anos sem festejar qualquer Campeonato Nacional – prestes a serem repetidos, uma vez que já lá vão outros 18 anos, desde que Lazlo Boloni se sagrou campeão em 2002 – fazem com que se juntem os presidentes sem faixa, na primeira sequência, Amado de Freitas, Jorge Gonçalves e Sousa Cintra, aos na segunda que ainda está em marcha: Filipe Soares Franco, José Eduardo Bettencourt, Godinho Lopes, Bruno de Carvalho e Frederico Varandas.
E quando se pergunta qual o rumo que os clubes portugueses devem seguir num futuro próximo, o caso específico do Sporting merece alguma ponderação acrescida.
É um dado histórico que o 25 de abril de 1974, com todas as alterações que produziu no tecido social e empresarial do país, arruinou a viabilidade do projeto visionário que João Rocha tinha para o Sporting, a Sociedade de Construções e Planeamento (SCP), que seria o músculo financeiro do clube que, em tese, ficaria muito à frente da concorrência. João Rocha teve de reinventar-se e fazer agulha para novo carril, mas o Sporting acabou por sofrer com a entrada em cena, pouco depois, de forma categórica, do FC Porto e da dupla Pedroto/Pinto da Costa, instrumentais nos dois primeiros campeonatos azuis e brancos e estruturantes, a partir de 1982, do FC Porto que dominou o futebol português durante quase três décadas. Este afastamento do Sporting dos títulos – quatro campeonatos ganhos do 25 de abril para cá, sendo os restantes conquistados por FC Porto (23), Benfica (17) e Boavista (1), deve motivar reflexão: será que o modelo de gestão até agora seguido é o mais adequado, ou dizendo de forma mais crua, será que tem futuro?
Recuemos aos últimos dois títulos, celebrados em 2000 e 2002. Os presidentes do Sporting, José Roquette e Dias da Cunha, abriram mão da presidência da SAD, que entregaram em 2000 a Luís Duque e em 2002 a Miguel Ribeiro Telles, com ótimos resultados. Porque houve competência específica no futebol; e porque foi possível blindar a SAD das habituais interferências do modelo clássico. Provavelmente, o futuro trará a todos os clubes portugueses, a uns mais depressa do que a outros, a necessidade de alienarem a maioria do capital das SAD a investidores privados, capazes de protagonizarem gestões com menos emoção e mais razão. Se funciona? Claro que sim, basta olhar para o resto do mundo, percebendo as causas excecionais que permitem a Real Madrid e Barcelona ainda manterem alguma proximidade com o modelo clássico de associativismo, embora mais adaptado à modernidade do que aquilo que se verifica em Portugal.
A visão que João Rocha teve para o Sporting em 1973, acabou por não ter circunstâncias históricas para vingar; mas talvez a forma inovadora de autonomização da SAD, que esteve na base dos títulos de 2000 e 2002, possa ser uma boa pista para os sócios e adeptos do Sporting debaterem, um dia destes, como deverá ser o modelo organizativo dos leões na próxima década. Porque o Sporting precisa de um golpe de asa que lhe permita olhar para o futuro ambição própria do grande clube, a nível mundial, que é.