«Sou como os alfaiates de alta costura»
João Correia fabrica caneleiras personalizadas no Algarve. Foto: D.R.

ENTREVISTA A BOLA «Sou como os alfaiates de alta costura»

NACIONAL26.06.202410:00

Algarvio João Correia é especialista em fazer caneleiras personalizadas; Gonçalo Ramos, João Neves ou Enzo Fernández, entre outros, têm as canelas protegidas por este praticante de windsurf

Na Fuzeta, vila piscatória do concelho de Olhão, são fabricadas caneleiras personalizadas para grandes nomes do futebol, que colocam nas mãos de João Correia - que tem no windsurf o seu desporto de eleição e do qual é praticante - a proteção das suas (valiosas) canelas. «Até agora, nunca recebi uma reclamação ou foi-me devolvida qualquer caneleira», assinala com orgulho o algarvio. Gonçalo Ramos, João Neves, Enzo Fernández, Yaremchuk, Leandro Andrade, são alguns dos jogadores que usam caneleiras fabricadas no Algarve.

«Comecei esta brincadeira em 2008/2009. Estou ligado já há alguns anos à fibra de vidro, na indústria naval. Um dia, o Edinho, que foi jogador profissional [Chaves, Vitória Guimarães, Bradford e Farense, entre outros] queria que eu cortasse as caneleiras dele para o filho Edinho Júnior, que na altura tinha uns 12/13 anos, e eu disse que era impossível adaptar uma caneleira tão grande para a perna do miúdo, tão pequeno. Então decidi fazer umas caneleiras para ele e arranjei as do pai, que jogava numa equipa de veteranos e futsal. As caneleiras depois apareceram dentro do balneário e foi passado boca a boca. Até hoje já devo ter feito mais de dois mil pares de caneleiras», recorda João Correia a A BOLA, como se aventurou no fabrico de caneleiras.

Caneleiras de Edinho Jr. em 2015. Foto: D.R.

«No início, nunca pensei nos jogadores profissionais. A minha ideia sempre foi trabalhar para a formação, pois não havia ninguém a fazer caneleiras para miúdos, à medida deles. Via os miúdos com grandes tábuas nas pernas e aquilo devia causar um desconforto. Além disso, o meu filho também jogou futebol e sei muito bem o que aquilo era, quando ele chegava a casa com as pernas cheias de alergias. Fiz muitas pesquisas e como já tinha conhecimento dos materiais que estou hoje a fabricar, os carbonos, os kevlares, por causa das motas d'água - porque fiz muitas alterações nelas para competição – facilitou», conta.

João Correia e Paulinho, quando o médio jogava no FC Porto. Foto: D.R.

O começo não foi fácil, mas com persistência, João Correia conseguiu concretizar o projeto. «Peguei numa malinha e levei comigo um dossiê e uma caneta e fui para campos de futebol. Desde Vila Real de Santo António até Portimão, nunca mais me esqueço. Fiz uma semana de Vila Real [de Santo António] até Faro, e depois fiz Faro-Portimão. Chegava aos campos e apresentava-me às pessoas, aos pais que estavam nas bancadas e nos bares, mostrava flyers com as fotografias de algumas caneleiras que pensava fazer. Mas aquilo correu um bocado mal, porque fazia quilómetros e chegava a casa sem encomendas e a minha mulher e o meu filho diziam que eu era maluco. Mas jurei a mim próprio que aquilo tinha futuro e consegui», lembra, agradecido ao amigo Miguel, que organizava torneios de formação no Alto da Colina e onde deu a conhecer o seu produto e ao Quarteirense, Casa Benfica de Portimão e Internacional e Almancil, os primeiros clubes a quem fez caneleiras para todos os jogadores das equipas.

Moldes para um par de caneleiras. Foto: D.R.

João Correia leva entre quatro a cinco dias a fazer um par de caneleiras personalizadas, e a qualidade está acima da quantidade, encontrando aí o motivo para muitos jogadores manterem-se fiéis às suas, resistindo ao assédio das grandes marcas multinacionais: «Sou como os alfaiates de alta costura. Eu não me preocupo muito com as quantidades, mas sim com a qualidade. Desde que estou no fabrico de caneleiras e até hoje, nunca me chegou um par de caneleiras devolvidas por não servirem ao jogador ou então por se terem partido. E faço caneleiras para o Brasil, Argentina, Canadá, Estados Unidos, Chile, Irão... Apesar de sermos todos iguais, tenho a consciência de que estou a trabalhar e a proteger pessoas que são diferentes e que valem milhões para os clubes.»

Caneleiras personalizadas de Edgar Ié. Foto: D.R.

«Pelo vulto nas meias, está lá o meu trabalho...»

Desde a formação que faz caneleiras para Gonçalo Ramos e João Neves

O início foi no futebol de formação e há imensos jogadores que chegaram a seniores e mantiveram-se fiéis às caneleiras fabricadas na Fuzeta. São os casos de Gonçalo Ramos, João Neves e Leandro Andrade, entre outros. «Acompanhar a carreira de alguns miúdos que hoje são profissionais de futebol e que estão a jogar até noutros países e ver que o meu trabalho tem tido algum significado para eles a nível de proteção e que ainda hoje estão protegidos com as minhas caneleiras e nunca tiveram uma lesão a nível de tíbias partidas e do género, para mim é uma grande honra», destacou.

João Neves com as primeiras caneleiras personalizadas feitas por João Correia. Foto: D.R.

«As últimas que fiz ao Gonçalo Ramos, e que ele levou ao mundial do Catar, foi um par em carbono e outro em policarbonato. O irmão dele também tem caneleiras minhas», disse João Correia que, acredita ainda são as mesmas que o avançado algarvio tem usado no PSG: «Penso que sim, porque pelo vulto que faz nas meias quando vejo jogos ou fotografias, vê-se logo que está lá o meu trabalho.»

Leandro Andrade e as suas primeiras caneleiras personalizadas. Foto: D.R.

«O trabalho é nosso, mas a personalização é toda deles», disse João Correia que por algumas caneleiras conterem fotos da família, não as pode divulgar.

Enzo Fernández com material «topo de gama»

Argentino preferiu o kevlar ao carbono; Jardel abriu as portas do balneário do Benfica.

Enzo Fernández, atualmente no Chelsea. Foto: Sportimage/IMAGO

Há já algum tempo, que João Correia fabrica caneleiras para jogadores do Benfica, ou que passaram pelo Benfica. A porta do balneário foi aberta por Jardel – cliente desde o tempo em que jogou no Olhanense - e entre outros já protegeu as canelas de Lima e Salvio, e mais recentemente de Yaremchuk e Enzo Fernández. Por norma, o carbono é o material utilizado, mas para o argentino, atualmente no Chelsea, João Correia fabricou-as noutro material: «Fui à academia do Seixal fazer umas caneleiras a um miúdo da formação e nessa altura ele estava a passar e cumprimentei-o e ele falou-me na possibilidade de lhe fazer umas caneleiras em kevlar. Foram as primeiras que fiz para um jogador profissional. Estamos a falar já de outro material, muito mais caro, mais leve e muito mais resistente que o carbono. É um material topo de gama».

«Adorava fazer umas caneleiras para o Rafa»

Rafa Silva no jogo contra o Arouca, o seu último no Estádio da Luz ao serviço do Benfica. Foto: IMAGO/ZUMA Wire

Como benfiquista, João Correia não se pode queixar dado que muitos dos jogadores dos encarnados – desde a formação aos plantéis seniores, masculinos e femininos – usam caneleiras feitas por si. Porém, há um que nãos as usa e que o algarvio gostaria que jogasse com as suas. «Já não está no Benfica, é o Rafa. Adorava fazer umas caneleiras para ele, porque é um jogador que eu gosto muito de ver jogar, mesmo que ele vá para outro clube», revelou.

Oferta a Yaremchuk, por solidariedade à Ucrânia

Avançado ucraniano foi presenteado com dois pares de caneleiras com a bandeira do seu país e com a camisola da sua seleção.

Caneleiras personalizadas de Yaremchuk. Foto: D.R.

Roman Yaremchuk, avançado ucraniano que jogou no Benfica, foi presenteado por João Correia com umas caneleiras personalizadas. «Quando começou a guerra na Ucrânia, todo o mundo se solidarizou com as pessoas, com seus os cidadãos e eu também quis ajudar. E como sou benfiquista e o Yaremchuk jogava lá, falei com um amigo que tem casa de férias na Fuzeta e é diretor do Benfica, e através dele disse-lhe se podia chegar ao jogador. Ele disse-me que não havia qualquer problema, que eu podia enviar as caneleiras, que elas iam chegar mesmo à mão do jogador. E assim foi», recorda.

«Numa pré-época, o Benfica foi jogar ao Estádio Algarve e eu, como benfiquista, fui ver o jogo. Quando o vi chamei-o, e assim que ele olhou para mim conheceu-me logo, porque já tinha visto as minhas fotografias nas redes sociais. Quis saber porque é que lhe ofereci as caneleiras. Explique-lhe que era um ato de estar solidário com o país dele e ficou muito grato, não só por ter oferecido as caneleiras, mas também por isso» contou, explicando a personalização efetuada: «Na altura eu não tinha fotografias dele e fiz umas com a bandeira da Ucrânia e outras com a fotografia dele na seleção do seu país.»

Espanha e Itália absorvem as máscaras de proteção

Material de proteção personalizado fabricado por João Correia. Fotos: D.R.

Além das caneleiras, João Correia também fabrica máscaras de proteção para lesões faciais. «Os clubes, através dos seus departamentos médicos, perguntaram-me se não era capaz de as fazer para jogadores que tinham lesões ao nível do nariz e maxilares e que tinham sido operados. Nunca tinha feito, mas arrisquei e a minha primeira máscara fiz para a minha própria cara. Coloquei o gesso na cara e ao espelho tirei o molde para a fazer em carbono. Depois fui ver se servia e aquilo resultou. E dei feedback aos clubes que conseguia fazer», conta.

«Há muitos jogadores com máscaras minhas, principalmente fora do país, em Espanha e Itália. Em Portugal também há algumas, mas mais ao nível de formação», acrescentou.

Diogo Prioste, capitão do Benfica B, com caneleiras fabricadas na Fuzeta. Foto: D.R.

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