SC Braga-Benfica: quanto vermelho cabe no coração do Minho?
Início do último SC Braga-Benfica para a Liga, há um ano, marcado pelo minuto de silêncio em homenagem a Pelé (Foto: Paulo Santos/ASF)

SC Braga-Benfica: quanto vermelho cabe no coração do Minho?

FUTEBOL16.12.202308:35

Afinal, a Cidade dos Arcebispos é ou não um bastião das águias? A BOLA foi tentar perceber, não só junto dos adeptos, mas também de quem investigou o fenómeno

Já o provérbio diz que «quem vê caras não vê corações» e, por estes dias, os adeptos do SC Braga gostavam que as outras pessoas percebessem isso quando se diz que a capital do Minho é um bastião para o Benfica.

Nas ruas da Praça da República, o coração de Braga, as opiniões não se dividem e se se repartem pendem mais para a verdade de que agora há muitos menos adeptos do Benfica nas bancadas do Estádio Municipal de Braga quando os encarnados vão lá jogar, como é o caso do próximo domingo (20h30).

Benfica e Braga chegam à 14.ª jornada divididos por um ponto, com vantagem para os encarnados, mas no estádio (lotado) o apoio será maioritariamente para a equipa minhota. Para Delfim Araújo, presidente da Casa do Benfica em Braga, a razão é simples.

«Se as pessoas não tivessem limitações [percentagem na venda de bilhetes para as equipas visitantes] no estádio haveria, pelo menos, 15 mil adeptos do Benfica. Assim ficam todos contentes por dizerem que têm mais adeptos [do SC Braga]».

Afinal, existem ou não mais adeptos do Benfica do que do SC Braga na capital minhota?

«Há de facto um mito urbano de que em Braga há muitos benfiquistas, mas é tudo falso. A cidade de Braga não tem uma maior percentagem de adeptos do Benfica quando comparada com outras cidades. Braga é uma cidade grande e é o estádio mais próximo para os benfiquistas do Alto Minho e Trás-os-Montes. No estádio ninguém está a perguntar de onde são aqueles adeptos do Benfica, mas digo-lhe que muitos não são da cidade de Braga. Mais, o facto de ambos jogarem de vermelho também pode confundir muita gente», conta-nos João Miguel Fernandes, informático da Universidade do Minho, especialista em estatísticas e co-autor do livro ‘A história do Sporting Clube de Braga’.

«Quer mais razões? Quando nos perguntam de onde somos ou de onde vimos é normal referenciarmos uma cidade maior como resposta. Por exemplo, alguém que vive em Vila Verde acaba por dizer ‘perto de Braga’ como resposta a alguém que não sabe onde fica Vila Verde. 

Delfim Araújo, que preside a casa número 7 do Benfica, afirma não notar «uma diminuição de adeptos do Benfica na cidade de Braga».

Já em 1992, o jornal A Bola (edição de 20 de dezembro), publicou uma sondagem, realizada pela Marktest, sobre o número de adeptos dos clubes portugueses e o SC Braga ficou em quarto lugar, empatado (2,3%) com V. Setúbal e Académica.

Neste estudo com mais de 30 anos, verificou-se que no distrito existiam mais adeptos do clube bracarense do que do Benfica.

Os resultados publicados foram posteriormente analisados por Ricardo Serrado e Pedro Serra no livro 'História do futebol português: uma análise social e cultural'. 15 anos depois, João Sedas corroborou esses dados na sua tese de doutoramento, intitulada 'Culturas adeptas do futebol' (Universidade de Lisboa).

As macrocefalias do futebol a anormalidade que exista

Luís Cunha, diretor e docente do Departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, abordou esta questão, fazendo um termo de comparação com o que se passa na cidade vizinha (e rival) de Guimarães.

«A cidade de Guimarães é um caso muito particular, porque essa paixão não se vive apenas no futebol. Guimarães sempre teve um espirito de associativismo muito forte, de bairro diria até. Tem um público muito fiel, é-me difícil de compará-lo com Braga ou outra cidade. A relação de Braga com o seu clube de futebol não é diferente de outros lugares do país, em que se vê muito apoio aos ‘três grandes’. Acho que tudo está relacionado com uma certa macrocefalia [sociodemográfica], ou seja uma desigualdade. O desporto desenvolveu-se muito em torno da capital, o resto era paisagem, à exceção do FC Porto, mas estamos a falar da segunda maior cidade do país. Ao contrário de países como França e Alemanha, os adeptos apoiam sempre o clube local. É impensável que habitantes de Lyon apoiem o PSG. Em Portugal, outrora assistia-se a anormalidade, agora as coisas estão mais naturais».

O doutorado em Antropologia, também pela UMinho, não tem dúvidas em afirmar que «há 15/20 anos, em Braga, a maior parte era apoiante do Benfica», mas «nota-se uma diferença, principalmente nas gerações mais novas, que são apoiantes do SC Braga».

«Acho que os bons resultados ajudaram, mas o crescimento da cidade e a aposta na formação, seja no futebol ou modalidades, também contribuíram».

Na época 2009/2010, o SC Braga, então comandado por Domingos Paciência, lutou até à última jornada com o Benfica, que acabaria por se sagrar campeão nacional. 

«Recordo-me perfeitamente desse momento, foi bastante complicado aqui na cidade. Os benfiquistas não puderam festejar à vontade. Se calhar foi um ‘turning point’ no crescimento do SC Braga».

A transformação vivida na primeira pessoa

Mais do que a Domingos Paciência, os adeptos do SC Braga atribuem a transformação a Manuel Cajuda, que orientou os arsenalistas entre 1994 e 2002 (com um interregno para treinar o Belenenses). O treinador português, agora com 70 anos, recordou o ambiente vivido nos jogos em que o Benfica parecia jogar em casa, no Estádio 1.º de Maio.

«Recordo-me de olhar para as bancadas do estádio e via tudo vermelho e branco, mas claramente eram mais adeptos do Benfica. Bem, cheguei a ver adeptos do SC Braga a apoiar o Benfica. Felizmente, já não é assim».

A viver no Algarve, mas com o coração ligado à cidade dos Arcebispos, onde ainda tem casa, Manuel Cajuda atribui o mérito do crescimento de número de adeptos aos presidentes João Gomes da Oliveira (1995-2001) e António Salvador (2003 até ao presente).

«O mérito é do clube, mas tudo recomeça na minha passagem por Braga. No ano anterior à minha chegada, o SC Braga tinha terminado o campeonato em 15.º lugar, depois conseguimos recuperar e alcançar dois quatro lugares no espaço de três anos». A mudança deve-se claramente à gestão do presidente António Salvador, mas eu tive um dos melhores presidentes, o João Gomes de Oliveira, que deu carta-branca para essa mudança».

José Nuno Azevedo, capitão do SC Braga nos tempos de Cajuda, tem a consciência de que apanhou «o início da transição».

«Comecei a ver o SC Braga a jogar verdadeiramente em casa com o Benfica, que até então parecia o clube anfitrião».

O antigo lateral-direito, que terminou a sua carreira no SC Braga, em 2003, após 11 temporadas, sabe que «na zona de Braga há muitos adeptos do Benfica».

«Atualmente, no Estádio Municipal de Braga, é inegável que o Benfica tem uma boa moldura humana, mas já não se vê o desequilíbrio que se vivia na altura».

Por fim, deixamos uma história partilhada pelo presidente da Casa do Benfica em Braga na esperança de que sirva de lição para o jogo grande desta 14.`jornada da Liga.

«No outro dia, um pai com a camisola do SC Braga e o filho com a do Benfica entraram e todos esboçaram um sorriso».