É escocês, tem 38 anos e, depois de quase uma década nas equipas técnicas de Nuno Espírito Santo, abraçou como treinador principal o projeto do Estoril, ele que treinou Ederson, Oblak, Pote, Vitinha Pedro Neto, Rúben Neves ou Diogo Jota… Em entrevista a A BOLA, num português inatacável, Ian Cathro viaja pela carreira, pela vida e pelos projetos e objetivos profissionais. E confessa: «Portugal mudou a minha vida!» – Comecemos já pelo Estoril, que no último jogo conseguiu um resultado histórico, o 4-2 na Amadora que o deixa numa posição um bocadinho mais confortável. O Estoril não marcava quatro golos fora há 75 anos! Liga a estas coisas da história?– Não sabia nada disso. Alguém me perguntou sobre esse dado após jogo, mas eu estava mais atento ao facto de termos sofrido dois golos. Eu não queria sofrer os dois golos, ainda mais a ganhar 3-0 no intervalo. Se acaba 4-2, é porque a porta ficou um bocadinho aberta. Mas foi muito importante vencer, os jogadores mereciam, porque o grupo está a trabalhar muito. Estão a trabalhar muito bem e fiquei feliz por eles. – Presumo que tenha a sua visão, o seu projeto, objetivos. Quais são?– Eu tenho provavelmente duas ideias. Uma é mais de equipa no momento do jogo; e outra do projeto em si. Eu não sou alguém que trabalhe muito bem no curto prazo. Se a equipa está em perigo, pode ser que precise de alguém como nós dizemos na Inglaterra: chama-se o Alardyce. Eu não consigo fazer isso, não me interessa muito. Mas, se for realmente construir alguma coisa, fazer algo diferente, algo coisa que dá para ir construindo este ano, para o outro ano, ir crescendo, aí acho que consigo fazer bem esse trabalho. E isso é o que me motiva mais: realmente construir algo que vale a pena. E aí estou a falar muito de criar um Estoril diferente, que seja mais estável, mais preparado, que consegue e quer competir e que, semana após semana, mês após mês, ano após ano, há um progresso. – Conhecendo já bem o nosso português, sabe, decerto, que a paciência não é propriamente uma das maiores virtudes portuguesas…– Sim, mas é assim em todo lado. – Realmente, até em Inglaterra já começamos a ver uma dança de treinadores que era pouco habitual.– Exatamente. Já está a mudar também. No dia do jogo, as pessoas têm de gostar de ver a equipa jogar a bola. Eu também quero gostar… Não vale a pena jogar com medo, não gosto! – Ou seja, o Ian prefere projetos com visões mais de médio e longo prazo.– Sim, isso é muito importante. O que desejava para Portugal era algo um bocadinho como acontece com o Championship de Inglaterra, em que tens dois ou três clubes que pensam que podem ganhar, para subir, mas tens mais 16 que andam com o objetivo de chegar aos play-offs, porque também sonham com a Premier League. Aqui temos os grandes, temos um ou dois que sonham andar lá por cima e, depois, o resto fala em manutenção. É também essa diferença que quero trazer ao Estoril, por exemplo. Antes de, um dia, deixar o Estoril, eu quero que ninguém faça essa pergunta sobre o Estoril, de lutar por manutenção. – Apagar a palavra manutenção do dicionário do Estoril?– Isso mesmo! Eu sei que não vamos conseguir isso hoje, amanhã, para a semana ou para o mês seguinte. É preciso tempo. Mas é um desafio muito interessante para mim, esse de realmente construir alguma coisa. E não é construir algo até maio, fazer mais ou menos, deitar tudo ao chão e começar outra vez. Isso é que não me motiva tanto. Quero realmente construir alguma coisa que vale a pena, que ajude os jogadores, a equipa, o clube e todas as pessoas por dentro do clube, para que não tenham de começar a época preocupados com se vamos ficar e garantir a manutenção para o ano que vem, se vão ter trabalho, se vão ter isto ou se vão ter aquilo.– Mas há sempre a ditadura dos resultados… Como se combina tudo isso?– Quero fazer a minha parte neste processo. E no dia do jogo, as pessoas têm de gostar de ver a equipa jogar a bola. Eu também quero gostar isso… Não vale a pena jogar com medo, não gosto. É chato, é aborrecido. Então vamos com tudo. Claro que combinar as duas coisas é difícil. – Outra característica portuguesa é interessar mais o resultado do que a exibição…– O resultado fala sempre mais alto, claro, mas também se tu só andas à procura do resultado, então não tens nada. Eu quero mesmo construir algo. Tens de ter a tua ideia e, passo a passo, melhorar. Também tens de levar as pessoas a acreditar no teu processo, mesmo sem resultados. Porque, para levar até ao ponto de pôr fora do dicionário a palavra manutenção, é provável que antes não estejas a ganhar os jogos todos. Estou confortável com essa responsabilidade. – Onde se vê daqui a 10 anos? – Uii… Eu já estou numa fase da minha vida em que só consigo viver no presente e gosto só de viver no dia-a-dia, porque eu já vi muita coisa no futebol é um erro começar a projetar certas coisas que não controlamos. Não vale a pena perder tempo pela ansiedade do que pode acontecer ou também pensar no que aconteceu antes. Eu quero é fazer o melhor possível no treino de hoje. Depois vou preparar o treino de amanhã e estar com a família. Por fim, espero acordar amanhã e que tenha oportunidade para fazer tudo outra vez. Gosto muito de trabalhar. Muito mesmo. Tenho muita paixão por este jogo, mas também acho que, para todos, o mais importante é garantir tempo com a família. Aí, viver o dia-a-dia é a melhor maneira para ter esse equilíbrio.