O que levou um argentino a criar página de apoio à pior seleção do mundo?
O histórico golo de Alessandro Golinucci, de San Marino, frente à Dinamarca (Imago)

San Marino O que levou um argentino a criar página de apoio à pior seleção do mundo?

INTERNACIONAL20.11.202323:00

«Jamais esperei uma explosão à volta de uma conta sobre San Marino», diz Ezio Auditore a A BOLA. Achou que podia ser interessante e, após dois anos, já acompanha os diferentes escalões da seleção de San Marino e reuniu uma legião de seguidores que supera em larga escala a população do pequeno país europeu

Foi em 1988 que a UEFA reconheceu oficialmente San Marino como uma seleção de futebol. Desde então, a equipa tem um registo digno de uma seleção que ocupa o último lugar do ranking de seleções da FIFA: 194 derrotas, 9 empates e somente uma vitória (num amigável com o Liechtenstein, em 2004, por 1-0).

O registo de golos em jogos oficiais de San Marino também é elucidativo da (falta de) qualidade da equipa: 30 marcados e 831 sofridos. 

Ainda assim, foi este estatuto de seleção desvalorizada que atraiu a atenção de Ezio Auditore, argentino de 29 anos que começou a seguir a equipa por diversão e que a quis partilhar na rede social X (quando ainda se chamava Twitter).

Criou uma conta para fãs, passou a seguir religiosamente os jogos de San Marino e descobriu ter uma paixão em comum com milhares de pessoas que o começaram a seguir. E que decerto acompanharão o duelo desta segunda-feira, o último na qualificação, em casa, com a Finlândia.

Em entrevista a A BOLA, Ezio falou do seu genuíno interesse pela seleção europeia, daquilo que já alcançou com a sua página e das expectativas que ainda tem para a mesma e para aquela que, para muitos, é a pior seleção do mundo. 

«Há muito tempo que sigo seleções pequenas, sobretudo San Marino e Gibraltar, porque tinha muita curiosidade, mas muitas vezes só seguia os resultados. Depois, em 2021, decidi criar uma conta no Twitter sobre San Marino porque queria ver até onde poderia chegar uma página com conteúdo sobre uma seleção que ninguém vê e da qual ninguém fala. Todos falam das seleções grandes e ninguém fala de San Marino, então pensei, ‘porque não? Vamos ver como funciona’. Jamais esperei a explosão que se ia gerar à volta da seleção de San Marino», expressa Ezio, antes de recordar o primeiro jogo que publicou na sua página.

«Tudo começou com um jogo entre San Marino e a Polónia em 2021, eu estava no Twitter e decidi criar a conta nesse jogo. A Polónia ganhava por 4 ou 5 golos até que eu tenho a sorte de San Marino marcar um golo e houve logo uma explosão, vi que as pessoas começaram a interagir, esse tweet do golo ficou viral – todos os tweets sobre golos de San Marino são sempre virais – e vi que as pessoas gostavam daquele conteúdo», conta o argentino, que passou a seguir o campeonato de San Marino, «tudo com o objetivo de divulgar esse conteúdo de que ninguém fala.»

Hoje, já tem 180 mil seguidores, cinco vezes mais do que a população de San Marino, micro-estado que também se interessou pela página de Ezio. «Já tive contacto com jogadores, porque não há muitas páginas que falem sobre San Marino e alguns já comentaram na página, riram-se do conteúdo. Costumam gostar dos memes. Lembro-me de um jogo contra uma seleção muito poderosa, não me lembro qual, mas o guarda-redes de San Marino, Elia Benedettini, fez um grande jogo e eu fiz um meme a compará-lo ao Courtois e ele reagiu e riu-se muito desse meme, até o partilhou nas suas redes sociais», diz-nos o autor da página San Marino Fútbol, explicando logo de seguida que tipo de futebol encontrou no pequeno país europeu.

«Depende muito do adversário. No ano passado a equipa jogou com Seychelles, com Malta, com Estónia e aí arrisca um pouco mais. Mas sim, no geral o jogo é mais defensivo, tendo em conta a qualidade do adversário, se a equipa arrisca muito pode ser goleada. 2022 foi um ano muito bom, a equipa sofreu poucos golos em relação aos anos anteriores [em 2022 sofreu 16 golos em 10 jogos, em 2021 sofreu 57 em 12 partidas], houve uma melhoria nesse sentido. Mas a equipa tem problemas que outras seleções não têm, às vezes não podem jogar os melhores jogadores de San Marino devido a compromissos laborais, porque toda a equipa é amadora e os jogadores não vivem apenas do futebol. Depois também tem o azar de jogar na Europa, onde há muitas seleções muito fortes», constata.

A 17 de outubro, San Marino fez um jogo com a Dinamarca em que só perdeu por 1-2 e o jogo chegou a estar 1-1. Isto frente a uma seleção que está no 19.º lugar do ranking de seleções da FIFA…

«Em San Marino foi como ganhar o Mundial, porque ninguém esperava que jogassem tão bem. A Dinamarca esteve no Mundial-2022, já esteve em muitos Mundiais, já ganhou um Europeu, foi às meias-finais do Euro-2020 e é uma das 20 melhores seleções do mundo. E San Marino fez um jogo de uma enorme magnitude, foi muito impressionante e não foi por sorte, jogou bem em todas as linhas», considera Ezio.

E como reagiu o público da sua página ao golo de Alessandro Golinucci?

@sommitsports San Marino scores the biggest goal of the national team history and their first goal in an official game in over two years. #sanmarino #denmark #eurosqualifiers #euros #sanmarinofootball ♬ Originalton - SommitSports

«A publicação desse golo causou uma explosão total no Twitter, foi a mais vista em toda a história da conta. Já tive tweets virais, mas nunca como este. E eu espero sempre que haja um golo da equipa, que um dia haja uma vitória e há muitas pessoas que já esperam o mesmo. E o melhor da conta é isso mesmo, transmitir esse sentimento de apoio à equipa. Muitas pessoas já me disseram que jamais esperariam ficar interessadas num jogo de San Marino e que por minha culpa veem todos os jogos da equipa, às vezes não veem um Espanha-Itália para verem um San Marino-Malta. Foi isso que a minha conta fez [risos]», afirma o argentino, reconhecendo que a Liga das Nações «traz mais possibilidades de ganhar jogos» porque a pequena seleção «defronta rivais de nível semelhante, como Malta, Gibraltar, Liechtenstein» e assim tem mais hipóteses de ganhar do que antes do início desse torneio. 

Por fim, a pergunta obrigatória: que equipa apoiará se um dia houver um San Marino-Argentina?

«Já me fizeram essa pergunta muitas vezes e eu digo sempre que apoiaria San Marino porque o mais provável é que a Argentina ganhe, então mais vale apoiar o San Marino nesse caso», concluiu Ezio, com uma gargalhada.