Esta crónica, caro leitor, devia ter o dobro do tamanho e não estes míseros 3 891 carateres. Tanta emoção, tanta reviravolta, tanto golo estranho, tanto erro e tão pouco espaço para o descrever. De ponta a ponta de jogo o coração de benfiquistas e barcelonistas andou nos limites: pum-pum-pum-pum. Espécie de arritmia que, no fim, beneficiou os catalães. Acabou por ser um hino ao futebol, daquelas noites europeias por que os fãs de futebol, sejam de que clube forem, tanto anseiam. Comecemos pelo essencial. Aquilo que poderia ter sido uma noite histórica para o Benfica, com fantásticos três golos marcados até à meia-hora, transformou-se em verdadeiro pesadelo, sofrendo os encarnados o quinto golo aos 90+6, instantes depois de ter estado pertinho de fazer o 5-4 e terminar com as dúvidas no resultado. Houve erros para quase todos os gostos: pisão de Tomás Araújo em Baldé origina o 1-1 de Lewandowski de penálti; choque de Szczesny e Baldé na base do 2-1 de Pavlidis; autogolo de Ronald Araújo para o 4-2; Di María a falhar, isolado, o 5-4; buracão no meio-campo/defesa do Benfica no 4-5 final de Raphinha. E também múltiplos azares: pontapé de Trubin que embate, com estrondo, na cabeça de Raphinha e origina o 3-2; toque de Carreras no ombro de Yamal interpretado pelo árbitro como motivo para o penálti do 4-3; queda de Barreiro na área espanhola vista pelo juiz como isenta de falta e, na sequência, zás, 5-4 de Raphinha. Por fim, meia dúzia de grandes exibições: Pavlidis, Carreras e Otamendi; Pedri, Raphinha e Lewandowski. Hino ao futebol que foi cruel para os encarnados. Esta crónica bem poderia ter começado, porém, por uma simples pergunta de complicada resposta: quantas vezes o Barcelona sofreu três golos, antes da meia hora, nos últimos mil jogos? Duas. Na final da Champions 2019/2020, na Luz, frente ao Bayern, quando os alemães venciam por três, golos de Muller (4’), Perisic (22) e Gnabry (27). E ontem. Ontem, meus caros. Ontem. Em Portugal, em Lisboa, na Luz. Mas ganhou, meus caros, ganhou. E, sejamos justos, acabou por merecer. O Barça já não tem Kocsis, Kubala e Czibor (anos 60), já não tem Cruyff, Rexach e Neeskens (anos 70), já não tem Maradona, Simonsen e Schuster (anos 80), já não tem Romário, Stoitchkov e Figo (anos 90) e já não tem Ronaldinho, Iniesta, Xavi, Deco, e, acima de todos e de todas as décadas, Lionel Andrés Messi Cuccittini (Século XXI), mas, meus caros, quando pega na bola e a começa a rodar, como aconteceu na maioria do tempo de jogo, os adversários não têm alternativa a não ser recuar e proteger a sua baliza. Talvez o Benfica tenha recuado demasiado quando Bruno Lage, por volta dos 70’, optou por passar a jogar com três centrais (Tomás Araújo, António Silva e Otamendi), dois alas (Bah e Carreras), três médios (Rollheiser, Florentino e Barreiro) e dois na frente (Di María e Amdouni), quando ganhava por 4-2. Talvez. E esta é mesmo a melhor palavra para comentar a opção do treinador: talvez. A verdade é que o Benfica recuou, sim, mas até poderia ter vencido após tanto ter recuado. Mas Di María, o genial argentino, o esquerdino dos grandes jogos, dos grandes momentos e dos grandes golos, falhou o 5-4, pertinho do fim, frente a Szczesny. E 4-4 que poderia ter sido 5-4 virou 4-5. É histórico para o Benfica marcar quatro golos a um campeão da Europa (já o fez a Real Madrid, FC Porto e Feyenoord), mas torna-se igualmente histórico sofrer quatro ou mais em sua casa (Belenenses, Santos, Man. United, FC Porto e agora Barcelona). Repete-se: podia ter sido épico e acabou por ser tremendo soco na cara. O Benfica cai para o 18.º lugar com 10 pontos, continua em posição de, pelo menos, ter acesso ao play-off de acesso aos oitavos de final e não é líquido que não possa ser apurado diretamente. Para que esta última hipótese tenha algumas pernas para andar torna-se imprescindível ganhar em Turim, casa da Juventus, a 29 de janeiro.