«Não considero que me tenha perdido, caso contrário não teria chegado à equipa principal do Benfica»
Pepa destacou-se nos escalões de formação do Benfica e a consequência lógica foi a chegada à equipa principal

ENTREVISTA A BOLA «Não considero que me tenha perdido, caso contrário não teria chegado à equipa principal do Benfica»

NACIONAL15.06.202408:00

Pepa: o menino que a 23 de janeiro de 1999 teve uma estreia de sonho na equipa principal do Benfica, com um golo marcado em pleno Estádio da Luz. O tributo que não esquece, o que aconteceu daí para a frente e a forma como terminou a carreira de forma precoce: tudo contado na primeira pessoa nesta grande entrevista a A BOLA. O antigo ponta de lança assume que podia ter chegado a patamares de nível europeu e também à Seleção Nacional. Os tempos eram outros, mas fica o orgulho do percurso trilhado

Como recorda a sua estreia na equipa principal do Benfica, há sensivelmente 25 anos? Primeiro jogo e… primeiro golo.

Falar desse momento é sempre motivo de sorriso e de brilho nos olhos. É algo que será sempre marcante. Talvez nos tempos dos nossos avós ou pais não houvesse tantos registos que agora pudesse mostrar aos meus filhos ou, no futuro, aos meus netos, mas a verdade é que o registo está lá. Dá para ver a estreia, dá para ver o golo e isso é o que fica. Os troféus e os momentos marcantes é o que fica no futebol. Ainda tenho poucos troféus enquanto treinador, mas vou atrás disso, como jogador tenho alguns. Esse momento foi, sem dúvida, marcante na minha carreira. Eu era júnior, estreei-me na equipa principal e logo com um golo… Teve muito mediatismo. No fundo, era um miúdo a ir atrás de um sonho. É impossível o olho não brilhar e não falar disso com muito orgulho e satisfação.

Nessa altura, o Benfica tinha jogadores de relevo internacional, como João Vieira Pinto, Nuno Gomes, Karel Poborsky, Michel Preud’homme, entre outros. O Pepa, ainda júnior, chegou a ser apelidado de novo Eusébio. Como é que conviveu com isso?

Mal. Foi tudo tão rápido… Eu digo mal, agora. A frio. Aliás, já há alguns anos que não tenho problemas em admitir que lidei mal com a situação. Mas eu na altura não percebi que estava a lidar mal. Estamos a falar de um menino que vinha de uma cidade pequena, como Torres Novas, e de uma família humilde, apesar de nunca me ter faltado nada, nomeadamente amor e carinho, que é o mais importante. Ir para uma cidade como Lisboa, com 12 anos, crescer no centro de estágio, no antigo Estádio da Luz, por baixo do terceiro anel, é normal que não estivesse preparado. Mas, atenção, eu não considero que me tenha perdido. São coisas diferentes. Aliás, se assim fosse, nunca tinha chegado à equipa principal. É natural que se fale nesse golo, e eu sorrio sempre, mas há um passado do Pepa em toda a formação do Benfica, do CADE, do Entroncamento, e da Seleção Nacional que não se fala muito. É normal. Mas até chegar esse momento da estreia na equipa principal do Benfica houve um percurso carregado de golos. Uma coisa louca, mesmo. Pode não haver tantos registos desse caminho, é normal, devido aos tempos, mas há um bicampeão, há um campeão europeu e há um melhor marcador em todos os escalões. Eu sentia-me preparado e por isso é que cheguei à equipa principal.

Hoje, as próprias estruturas dos clubes ajudam os jogadores a alcançarem esses patamares e a estarem preparados para esse passo.

Ajudam muito, claro. Não tem nada a ver. E eu com isto não estou a criticar nada nem ninguém, atenção. São outros tempos. Eu tenho muito orgulho de ser da geração de 80. Não sendo, de todo, uma crítica para os jovens de agora, mas a verdade é que eles talvez devessem ter coisas que nós tínhamos antes. Mas também não é menos verdade que estão mais preparados para certas coisas. Tudo tem que ver com o contexto e como as coisas evoluem. É normal. Comparação com Eusébio? Não sei se seriam os adeptos ou até a própria Comunicação Social ávida de algo. Eu marco o golo, na estreia, e isso foi para as primeiras páginas dos jornais. É tudo uma bola de neve. Nunca me senti pressionado. Ainda hoje encontro pessoas que me dizem que se lembram de mim nos iniciados e nos juvenis. Esses é que são aqueles adeptos que vão ver os jogos da formação. Que, na altura, não passavam na televisão nem havia redes sociais. É muito gratificante, hoje, ser abordado por esses adeptos.

Representou, depois, Lierse, Varzim, Paços de Ferreira e Olhanense, mas terminou a carreira cedo, com 26 anos, algo que não é normal num jogador de futebol. O que é que realmente aconteceu?

Agradeço a oportunidade para esclarecer essa situação. Eu tive juízo e fui um grande profissional. A questão é que eu esqueci-me muito da realidade do que tinha de ser enquanto profissional quando me subiu um pouco à cabeça o momento da estreia. Iludi-me! Mas é um mito. Eu fui um grande profissional! Mesmo hoje, é muito difícil ir da base ao topo da pirâmide. Mas depois há outros fatores, as estruturas, os treinadores… O Bernardo Silva não era muito bom? O João Cancelo? Ou seja, às vezes depende de muita coisa. E depois há também a questão da necessidade. O Rui Patrício era assim tão bom quando apareceu? Claro que era bom, atenção! Respeito muito a carreira do Rui. Mas os erros que ele cometeu são normais. Mas o Paulo Bento, na altura, terá pensado no porquê de colocar outro guarda-redes mais velho ou o Rui. É tudo uma questão de oportunidades.

Pepa e João Manuel Pinto à conversa com Bilro, num Benfica-União de Leiria

Teve também alguns problemas físicos. Ainda assim, e com todo o respeito pelos clubes que representou, mesmo os que de dimensão inferior ao Benfica, ficou orgulhoso da carreira que fez?

Fiquei muito orgulhoso. No entanto, e para o potencial que eu tinha, muito sinceramente faltou… tudo.

Até onde poderia ter chegado?

À Seleção Nacional A. E a ter jogado muitos anos no Benfica. Mas não tenho dúvidas disso. Não é só pelo que se viu da estreia ou do meu percurso depois como sénior. Era por tudo o que estava para trás.

Hoje, 25 anos depois, e com as estruturas existentes nos clubes e na Seleção Nacional, tinha chegado a um patamar europeu?

Não tenho dúvidas nenhumas. Hoje há um maior investimento na formação, seja por estratégia ou necessidade. E não é só ter um centro de estágio melhor ou mais camas para dormir. É ter pessoas capazes de direcionar, de ajudar, de apoiar. E eu não digo que o Benfica não tinha na altura. O dr. Pedro Almeida, psicólogo, começa no Benfica quando eu era júnior. Foi a primeira vez que vi um psicólogo. E nós, naquela altura, o que pensávamos era que os psicólogos eram para malucos. E eu não era maluco [risos]. Mas rapidamente percebi que o dr. Pedro Almeida era para nos ajudar no rendimento, na performance, na tranquilidade e na gestão emocional. E isso só ajuda. Só para ter uma ideia, quando estive no Cruzeiro, em 2023, eles não tinham psicólogo. Agora já têm. Porque eu também pedi e expliquei a importância de termos. O dr. Pedro Almeida ajudou-me, mas se tem chegado mais cedo…

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