Mauricio Pochettino, novo selecionador dos Estados Unidos
Mauricio Pochettino, novo selecionador dos Estados Unidos
Foto: IMAGO
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Mauricio Pochettino, novo selecionador dos Estados Unidos

Mauricio Pochettino para dar um impulso aos Estados Unidos, a pensar no Mundial

Jogam na Major League Soccer 453 estrangeiros de 81 países, e a seleção norte -americana evoluiu quase toda na Europa. Trata-se de um modelo contraditório que funciona bem, entre a sustentabilidade económica e a mais-valia desportiva

Os Estados Unidos, atual número um do ranking FIFA do futebol no feminino, situa-se na 18.ª posição no que aos homens diz respeito, graças ao facto de serem uma potência apenas regional, sem condições para discutir os lugares cimeiros dos grandes eventos.

A responsabilidade acrescida de terem de atuar perante o seu próprio público no Mundial de 2026, de que são co-organizadores juntamente com o México e o Canadá, levou a que procurassem cuidar com tempo da preparação de uma equipa que, apesar das boas infraestruturas, interesse manifesto e rápido crescimento da Major League Soccer (MLS), continua a alimentar-se quase exclusivamente de jogadores que militam nos campeonatos europeus.

Nesse sentido a Federação norte-americana decidiu investir forte num treinador de prestígio, o argentino Mauricio Pochettino, 52 anos, que se estreou com um triunfo sobre o Panamá por 2-0. Pochettino, que fez carreira na Europa como jogador e treinador, tendo dirigido o Espanyol (161 jogos), o Southampton (60), o Tottenham (293), PSG (84) e Chelsea (51), tem como joia da coroa da sua carreira de técnico a presença, com os ‘Spurs’, na final da Champions de 2019, que perdeu para o Liverpool de Klopp por 2-0.

Ao decidirem contratar Pochettino, os norte-americanos regressaram a uma senda que já tinham percorrido mais recentemente com Jurgen Klinsmann (2011/16), e que tem tradição desde que, com o escocês Bill Jefrey, derrotaram a toda-poderosa Inglaterra, por 1-0, no Mundial de 1950, no Brasil. Pelo caminho, nomes como os Dettmar Cramer – bicampeão europeu à frente do Bayern de Munique e figura incontornável da implantação do futebol no Japão - ou Bora Milutinovic, estiveram na liderança de uma seleção que é ‘habituée’ nos Campeonatos do Mundo, onde esteve na fase final de oito das últimas nove edições, e que tem nos norte-americanos Bruce Arena e Bob Bradley exemplos de sucesso.

A estreia de Pochettino

O futebol norte-americano está cheio de contradições. Mesmo que tivessem aprendido com os erros cometidos em meados da década de setenta do século passado, quando contrataram para a Liga alguns dos melhores jogadores do mundo, muitos em fim de carreira – entre outros, Pelé, Eusébio, Bobby Moore, Cruyff, George Best, Franz Beckenbauer, Carlos Alberto – começando a construir a casa pelo telhado e não pelas fundações, o que lhes permitiu sucesso imediato e futuro comprometido, mesmo assim os números da MLS, que tem em Lionel Messi a sua estrela mais cintilante, não deixam de ser bizarros. Nos 29 clubes que disputam as duas conferências, atuam 453 jogadores estrangeiros, de 81 países diferentes, o que deixa pouco espaço de afirmação para os talentos locais, que vão aparecendo a bom ritmo, devido a programas de desenvolvimento consistentes trabalhados a partir do sistema escolar.

Quanto aos melhores valores norte-americanos, em vez de ficarem no país, preferem tentar a sua sorte, e evoluir para outros patamares, no futebol europeu.

Mauricio Pochettino, na estreia frente ao Panamá, utilizou 17 jogadores e só um – Tim Ream, 37 anos, que esteve 12 épocas em Inglaterra, entre Bolton e Fulham (2012/24) e agora voltou a casa para representar o Charlotte FC -  joga na MLS. Senão vejamos:

Matt Turner (Crystal Palace); Scally (M’Gladbach), McKenzie (Toulouse), Ream (Charlotte FC); Muisah (AC Milan), Busiu (Veneza), Morris (Middlesbrough), Robinson (Fulham); Aaronson (Leeds), Sargent (Norwich, Pulisic (AC Milan). Jogaram ainda Ricardo Pepi (PSV), Tessnam (Lyon), Malik Tillman (PSV) Haji Wright (Coventry), Zardejas (América do México) e Hansen (Palermo).

Os adeptos da MLS

Leo Messi à parte, que aufere de salário base mais de 20 milhões de dólares anuais, a média salarial na MLS não é, como sucede nas Arábias, nenhum conto das mil e uma noite. Embora tenha havido, em 2024, uma subida de 12% face a 2023, a média está nos 594 mil dólares anuais, sendo o salário mínimo para os 24 primeiros do plantel de 85.444 dólares e para os restantes de 67.360 dólares.

Já os dez clubes mais valiosos, segundo a revista Forbes, são o Los Angeles FC (1,2 mil milhões de dólares), o Inter de Miami (1,03), o LA Galaxy (950 milhões), o Atlanta United (900 milhões), o New York City FC (850 milhões), o Seattle Sounders (785 milhões), o D.C. Unioted (775 milhões), o Austin FC (750 milhões), o Toronto FC (725 milhões) e o Charlotte FC (690 milhões).

Curiosamente, entre 2018 e 2023, o Los Angeles FC valorizou-se 2,5 vezes; o D.C. United, 2,34 vezes; o NYCFC, 2,2 vezes; o LA Galaxy, 1,9 vezes; e o Atlanta, 1,8 vezes.

E quanto a adeptos, que proporcionam à MLS uma média de 23.354 espetadores por jogo – dos 49351 do Atlanta United, aos 15.181 dos Colorado Rapids – estima-se que sejam cerca de dez milhões, oriundos essencialmente de comunidades latino-americanas, o que abre, como se viu pela valorização dos clubes em cinco anos acima apresentada, uma boa base de sustentação para o futuro do ‘soccer’.

Três dimensões

O futebol como o conhecemos na Europa (o tal ‘soccer’), apesar de cada vez ter mais adeptos (os jogos da seleção feminina norte-americana levam aos estádios, que enchem, não apenas descendentes de comunidades emigrantes) não é comparável, em adesão popular, às modalidades tradicionais, o basquetebol, o beisebol, o futebol americano e o hóquei no gelo, aquelas que geram maiores receitas do ponto de vista da televisão e dos novos meios de levar os acontecimentos às pessoas. Não é por acaso que historicamente a publicidade televisiva mais cara do mundo é a que passa no intervalo do Superbowl, a finalíssima do futebol americano. Mas, o crescimento sustentável é inegável, a rentabilidade existe, e a tendência, com os dois impulsos mediáticos que se seguem – o Mundial de clubes em 2025 e o Campeonato do Mundo de seleções em 2026 – será no sentido da evolução, deixando para trás problemas como os do FIFAgate, que apesar de terem sido os norte-americanos a resolver, com a intervenção do FBI, chamuscou bastante uma certa liderança que estava no futebol para se servir dele, e não para servi-lo.

Mas o futebol no Estados Unidos seguirá centrado em três dimensões:

1)   A conquista das gerações mais novas, com a introdução do jogo nas escolas, jogado até uma dada altura por equipas mistas. Longe vão os tempos em que o presidente Clinton, por altura do Campeonato do Mundo de 1994 organizado pelos Estados Unidos, remeteu para a filha, Chelsea, as opiniões sobre futebol, porque tratava-se de uma modalidade que o POTUS conhecia mal e a filha jogava diariamente. Pode dizer-se, ao dia de hoje (e era impossível dizê-lo quando Pelé, Eusébio, Cruyff e Beckenbauer jogavam nos States), que o ‘soccer’ deixou de ser um corpo estranho, uma coisa só de comunidades emigrantes, nos Estados Unidos, embora sejam estas e os seus descendentes os pilares económicos e socais do «beautiful game.»

2)   A MLS, com os seus 453 estrangeiros de 81 países diferentes, está sustentada num modelo sólido, que promove o equilíbrio sem perder a noção do show-biz, e que cativa e fideliza um número de adeptos que faz rivalizar as médias de assistências com os campeonatos europeus. Embora para as contas dos estrangeiros autorizados por equipa (são oito, mas pode haver trocas entre os clubes…) os canadianos não contem, apesar de serem 45 (até porque o Toronto FC, o Montréal e o Vancouver Whitecaps fazem parte da competição) o certo é que comunidades com a argentina (34 jogadores) ou a brasileira e colombiana (28 jogadores) estão muito bem representadas. Curioso é que apenas 12 mexicanos evoluam na MLS, encontrando-se explicação para este facto nos salários muitos altos praticados pelos maiores clubes do México, que tornam menos atrativa a passagem da fronteira, a norte.

 3)   A terceira dimensão passa por ter os melhores jogadores a evoluir na Europa, o que garante uma competitividade muito maior à Seleção norte-americana, que, independentemente da modalidade, é sempre fonte de interesse de uma sociedade ainda jovem, e por isso muito arreigada ao hino e à bandeira.

Quanto a portugueses, neste momento são seis os que exercem a profissão na MLS. O mais conhecido é o ex-benfiquista Diogo Gonçalves, que na época passada esteve no Copenhaga FC, que joga no Real Salt Lake. Acompanham-no Bruno Wilson (San Jose Earthquakes), Xende Silva (Atlanta United), Pedro Amador (Atlanta United), Pedro Santos (DC United) e Braudílio Rodrigues (Seattle Sounders).